A Lenda de Ohropo e Sepulcro
Ohropo desperta ao entardecer e enquanto seus olhos se tumulam no precipício, um corvo de olhos pútridos crocita infeliz; a alma de Ohropo, em partes, obliterada, retorna ao seu corpo sob um manto negro e pesado — vertendo abismo. Deste modo, quando Ohropo olha em direção ao som violento, a noite está ofuscada e, murmurando, ela ascende em seu coração um temor inominável que, de súbito, outorga-lhe nítidas memórias hediondas. Instável, caminha pelas sombras, e lamuria. Compreende que seu destino inconcusso, na tarefa imorredoura de irrigar o mundo humano com seu aspecto soturno, é o sentido primevo da sua criação — e desta fatalidade ele não pode esgueirar-se, mesmo que resida, no seu mais íntimo ser, um pequeno esplendor de desejo cuja emersão advém em uma indagação longínqua, uma dúvida ínfima, um tão-somente “por quê?”.
— Qual horizonte teus pronos olhos à maldição perscrutam? — A voz que indaga possui um sibilo indistinto, de entonação lôbrega como o canto gregoriano. É Sepulcro. Ohropo volta-se devagar a Sepulcro que se orvalha na cinesia do frígido vento crepuscular; é bela como anjos lapidados pelas covas que a compõe. Ohropo nunca vira Sepulcro.
— Quem és tu? — Sonda Ohropo cuja voz é franzina em angústia.
— “Quem sois?” é o que consultas, pois que não me restrinjo a uma. — Responde Sepulcro, altiva.
Há custosa aflição à fronte de Ohropo cuja verve falecera no primeiro despertar ao entardecer, quando em seu cerne ainda habitava a si mesmo e quando suas mãos eram retratos pulcros de desgraça e sangue. Naqueles tempos, Ohropo vociferava, plangia, e nada mais.
— Vejo... És as mortes todas... — conclui, pelo que vê, através de seus olhos ainda semicerrados em ranzinza tragédia.
— Ora, que proseio contigo do além? Nada disso. Estou à vida como tu estás ao teu caminho, sempre fiel — ufana Sepulcro, elegantemente.
— Sempre fiel... — Ohropo repete, pois está confuso, algo no âmago da sua tétrica constituição oscila.
— Leva-me contigo, — implora Sepulcro — posso deixar menear teu fardo no interior de meu cálice que há de envolvê-lo em sua seiva sepulcral.
— Não posso... — Ohropo responde e suspira — Este fardo é horrendo, há de desolar todo o vosso encanto.
— Há nada que me ascenda o temor — teima Sepulcro.
— Impossível... — insiste Ohropo — Pavores são o soprar da aragem fria, e são o agora, o amanhã, o tudo o que é e há de ser.
Sepulcro sorri em revide.
Sua beleza revela uma reminiscência a Ohropo, símil ao que o oscila no cerne, o esplendor lúgubre de seu outrora tão cruel. A lágrima que vertera pela última vez há tanto tempo, renasce tímida, intolerável. Contudo um som execrável impede o alívio etéreo do broto da emoção, é a estrondosa sonância da foice de Exício. O corpo esquálido de Ohropo se consome ao desespero lutuoso, sua sentença ressurge do abismo entre ele e a inalcançável Sepulcro que, naquele átimo de tempo, fechou seus olhos santos e ideou um enlevo ao lado de Ohropo.
— Sepulcro! — Ouvem ambos, e tremulam, a voz é grave e trevosa, Exício a chama, feroz e austero; por isso Sepulcro vai ao seu encontro, pois a ele pertence, então desvanece. Ohropo senta-se sob a sua perdurável dor em solitude, frente d’onde outrora vira Sepulcro; e, sob um semblante medonho, ele espera até poder vê-la outra vez.
Escritora, Poetisa e Sonurista, dedicada à Arte da Escrita há mais de vinte anos. Formada em Psicologia Existencial, amante dos clássicos, fundadora do Castelo Drácula e autora de “Sete Abismos” e “Sonetos Múrmuros”. Sua literatura é densa e lúgubre, sempre imersa em reflexões humanas profundamente existenciais…
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Lancei-me contra as sombras do corredor, apressei cada um de meus passos enquanto minha mente atordoada se alimentava de sua própria angústia…
Orquídeas negras tecem a ninguém, | Silêncio aveludado no jardim, | Apresso-me temendo vir alguém | Desperto pelo horror do olor carmim;…
Amado, esta invernia quando vem, | Na tua serenidade apaziguante, | Almejo o aconchego que nos tem | Somente em nosso leito lacrimante;…
A casa do meu avô não possuía nada em sua aparência que tendenciasse quaisquer amedrontamentos da minha parte ou da parte de qualquer indivíduo…
Embevecida pelo silêncio dos sonhos mais profundos, tudo se externava em suavinura. Andejei sob infinda serenidade por dentre um substancial…
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Um flúmen carmesim cruzava o níveo balcedo e, deste liquor consistente, eu me inebriava, sorvendo sem temores, e imergindo-me nua em seu sereno caudal…
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Edgar Allan Poe é o Mestre da narrativa macabra e do mistério, deixou um legado literário…
“Angústia vil… sou rígida fereza… | A morte lacrimal de teu semblante… | Tormento me convida à tua pureza | Olvidas-me a pensar ser delirante…”
Ohropo desperta ao entardecer e enquanto seus olhos se tumulam no precipício, um corvo de olhos pútridos crocita infeliz; a alma de Ohropo, em partes, obliterada…
Co’as pálpebras cerradas… eu mui sinto | “Evoque à tua memória em meninez | Ao leito d’uma morte…” — ouço e pressinto | “Brutal que preservei tua languidez…
Atento o meu olhar “Quem és, ó Dom” | Indago n’agonia em mim crescente“ | Herói que salva ou mal que ofende o ambom? | Por que me causas mágoa caulescente…
Ouviu Dama Sonura a lacrimar | Com alma e solidão, preces soturnas, | Ao sopro d’um abismo à chuva-lar | Que dela faz as letras tão noturnas;…
Nenhuma voz, nenhum som garganta afora…
A morte-rubi me espreitando | E o choro adornado de medos, | Escuro-carmim sufocando... | Dois olhos me incitam segredos...
Ao Memórum pertencerá a sua vida em todas as instâncias emocionais e psíquicas…
Sonhei que caminhava | Por longo bosque escuro | E o vento mui soprava | Nas breves, vãs, clareiras | Ardores inseguros…
Diga-me, apreciaste esta obra? Conta-me nos comentários abaixo ou escreva-me, será fascinante poder saber mais detalhes da tua apreciação. Eu criei esta obra com profundo e inestimável amor, portanto, obrigada por valorizá-la com tua leitura atenta e inestimável. Meu nome é Sara Melissa de Azevedo. Sou Escritora, Poetisa e Sonurista. Formada em Psicologia Fenomenológica-Existencial. Sou a Anfitriã dos projetos literários Castelo Drácula e Lasciven. Autora dos livros “Sete Abismos” e “Sonetos Múrmuros”. SAIBA MAIS
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