Realidade
Não é que prestes a entrar naquela fumaça cor-de-violeta, onde eu estava a me considerar a um pé de algum mundo fantástico — ainda mais do que este, eu supunha — e quase mergulhando num maior desconhecido, dei de cara com a própria realidade? Pois é…
Não que eu esperasse me deparar com algum tipo de entrada numa dimensão alternativa, um portal para além da zona de exclusão que é este tempo-espaço, com o qual já estou vividamente acostumado, preso; como eu já havia me dado conta, o próprio ambiente do Castelo e seus membros, com os quais eu também travara contato (ainda que tímido), já eram mais do que prova de que eu adentrara num território supranatural — ou talvez fosse melhor dizer num “maravilhoso breu” …
(Começo a pensar que alguma força me impele a construir neologismos, a me dar indicativos de que somente assim poderei transmitir o que sinto e vejo neste lugar…)
Voltando ao que escrevia… Tal fumaça, de aparência mágica, um tanto quanto esotérica, logo após eu ter pisado naquele curioso recinto, dissolveu-se por completo, o que logo em seguida fez-me sentir calma e súbita certeza de que nada me faria mal — outra razão ao que eu já tinha assimilado: as ameaças aqui são inexistentes, existindo mais nos pensamentos que tendemos a elaborar do que nas capacidades reais de um pretenso mal… Sim, não me sinto intimidado por nada, não até agora.
Se posso deixar registrado o que senti após ver aquela fumaça desvanecer-se, fugir pelo corredor e tornar ao caminho misterioso no qual surgira, devo dizer que foi algo no mínimo reconfortante, uma sensação de que, por mais estranhas e imprevisíveis sejam as impressões tidas nesse lugar, tudo está repleto de sentido, devendo eu apenas me concentrar e interpretar os fatos presenciados para algum próprio desígnio…
O que intriga, de fato, é este inegável cheiro de sangue… ferroso odor, rascante, pairando sobre o ar do Castelo nos instantes em que me desloco pelos seus cômodos…
Não que eu já tenha visto em alguma de suas torres a figura espectral desse que dá nome ao lugar, sabidamente apreciador do plasma alheio… mas… as pessoas daqui: são elas que, talvez, devam me fornecer respostas ao melhor observá-las — não podendo ainda me certificar de suas verdadeiras naturezas e reais intenções… O acesso à escrita delas (algo que todos nós, estabelecidos aqui, partilhamos constantemente) é que me guiará, creio, a uma categórica afirmação sobre…
P.S. Alguém está batendo na porta… curiosamente, fazendo com que eu termine mais um aventuroso relato para ir de encontro a mais um… (as coisas aqui parecem realmente funcionar de maneira sistemática). Espero retornar e registrar do que se trata.
Wallace Azambuja vive em Porto Alegre e estuda Letras na UFRGS. Sua paixão por sonetos é intensa e sua maior produção literária atual está voltada à escrita deste clássico formato poético. Atraído pelo mistério e profundidade da Literatura Gótica, o autor participou do Desafio Sombrio 2023, onde mostrou…
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Melancolicamente, ele saiu... | Precisava comer alguma coisa… | Achou um bar, entrou... sussurrou: "moça, | Por favor… meu estômago vazio...
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Acreditar demais no sonho tido, | Depositando nele as esperanças: | O mesmo que um disparo só de tiro | Na mira, co'arsenal de nossa herança...
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