Percy Bysshe Shelley: Vida, Obra e Pensamento Crítico
Imagem da Web editada por Sahra Melihssa, para o Castelo Drácula
“Aproxima-se rapidamente o tempo — espero que o senhor, milorde, possa viver para contemplar sua chegada — em que o maometano, o judeu, o cristão, o deísta e o ateu viverão juntos numa única comunidade, compartilhando igualmente os benefícios que provêm de sua associação e reunidos pelos vínculos da caridade e do amor fraterno.”
— Percy Bysshe Shelley
Nascido em 1792, na Inglaterra, Shelley foi um dos mais intensos e visionários poetas do Romantismo inglês. De alma livre e convicções inflamadas, rebelou-se desde cedo contra as amarras da sociedade vitoriana, da religião instituída e das convenções morais. Era o primogênito de uma família aristocrática, mas rejeitou o destino de nobre — preferia o exílio, o pensamento radical e a linguagem da poesia como forma de revolução.
Expulso de Oxford aos 18 anos por escrever um panfleto em defesa do ateísmo, Shelley já demonstrava o espírito incendiário que marcaria toda a sua vida e obra. Casou-se jovem, viveu intensamente e, após a morte trágica de sua primeira esposa, uniu-se à escritora Mary Shelley, autora de Frankenstein. Juntos, formaram uma constelação literária, orbitando também Lord Byron, outro titã das letras e da inquietação.
Coincidentemente, nosso autor Wallace Azambuja trouxe à edição Dívanno uma tradução do poema Ozymandias — o que me levou a um mergulho mais profundo na vida e na obra de Shelley, sobretudo em suas críticas à religiosidade. Sempre que um dos autores da revista traz à tona pensadores e poetas — seja por meio de uma tradução, como neste caso, seja por artigos ou ensaios — , busco ampliar o conteúdo com notas sobre a trajetória e o pensamento do autor mencionado, quando necessário. Essa escolha editorial enriquece a experiência leitora e desenha caminhos mais profundos rumo ao conhecimento.
Ozymandias traz à luz, ainda que de modo poético — e, por isso mesmo, ainda mais penetrante — a transitoriedade do poder; tema que se vincula irrevogavelmente às indagações sobre religião e divindade já abordadas por Shelley em The Necessity of Atheism e na Carta ao Lorde Ellenborough. Mais que isso: o poema nos reconduz à natureza como a única força maior — e decerto inegável — capaz de se sobrepor a tudo aquilo que é construído pelo humano, inclusive suas crenças efêmeras e dogmas desprovidos de razão. Tal como nos versos:
“Meu nome é Ozymandias, rei dos reis:
Vejam meus feitos, poderosos, temam!”
Nada resta ao redor: circunda o escombro.
— Tradução de Wallace Azambuja
É fascinante como Shelley tensiona religiosidade, justiça e política em seus ensaios, e como transcende esses mesmos temas, na poesia, para uma dimensão mais elevada e sensível. Sua aparição na edição Dívanno é de suma importância, pois nela nos colocamos sob as asas das divindades etéreas a partir de prismas exploratórios da constituição humana. Eu mesma, sempre inclinada à razão, aproximo-me da fé pelos sentidos, através da poética — e sou capaz de experimentar a ideia de Deus sem a embriaguez religiosa, mantendo-me firme em minha racionalidade. Isso talvez comprove — e, de certo modo, realiza — os conceitos shelleyanos sobre as três fontes da convicção.
Obra — Entre o Ideal e o Abismo
Shelley escrevia como se quisesse incendiar o mundo com seus versos. Sua poesia é marcada por um lirismo elevado, por ideais políticos libertários, e por uma estética que combina o sublime com o etéreo. Era um alquimista da linguagem, fundindo mito, filosofia, natureza e revolução.
Obras essenciais:
“Ozymandias” — Um soneto famoso que reflete sobre o orgulho humano e a inevitável ruína do tempo, como já mencionei. A estátua do rei caído, perdida no deserto, é um símbolo arrebatador da efemeridade do poder.
“Prometheus Unbound” (Prometeu Desacorrentado) — Uma obra dramática e lírica que reimagina o mito grego de Prometeu, o rebelde que desafiou os deuses. Aqui, Shelley faz dele um símbolo da humanidade insurgente. E mais uma vez, a ruína divina.
“Adonais” — Uma elegia devastadora à morte de Keats, outro grande romântico. Nesse poema, a perda torna-se um portal para reflexões sobre a imortalidade da arte e da alma.
“To a Skylark” (A uma Cotovia) — Uma das mais belas canções à natureza, onde o pássaro torna-se arquétipo da inspiração pura e inatingível.
“Mont Blanc” — Um poema filosófico sobre a vastidão da natureza e a mente humana, que dialoga com as paisagens sublimes dos Alpes.
Uma Vida Breve e Trágica
Shelley viveu como se soubesse que não duraria. Exilado na Itália, longe da pátria que o rejeitou, escreveu alguns de seus mais belos poemas em meio à dor, à beleza e à contemplação. Morreu tragicamente aos 29 anos, em 1822, quando seu barco naufragou no mar Tirreno. Quando seu corpo foi encontrado, diz-se que trazia consigo um exemplar de Keats no bolso. Seu coração, retirado das chamas da cremação por Mary, foi envolto em seda e guardado por ela até a morte. Um símbolo perfeito: o coração de Shelley — eterno, irredutível, inflamado.
Legado
Shelley é hoje reconhecido como um dos poetas mais líricos e visionários da história da literatura. Sua obra inspira tanto pela beleza da linguagem quanto pelo poder de seu pensamento libertador. Foi precursor de ideias anarquistas, defensor da igualdade, do amor livre e da imaginação como força de transfiguração do mundo.
Ele acreditava que a poesia era uma arma espiritual, uma forma de revelar o invisível e libertar a humanidade da ignorância e da opressão. Seu espírito vive nos que ainda se recusam a aceitar as verdades impostas e, ao invés disso, sonham, incendeiam e escrevem.
Referências
DA COSTA, M. (2016). Percy Bysshe Shelley — Introdução. Cadernos De Tradução, (36).
SHELLEY, Percy Bysshe. The Necessity of Atheism. Worthing: C. & W. Phillips, 1811.
SCANDOLARA, Adriano. Shelley — duas cenas do ato 3 de Prometheus Unbound. Escamandro, 5 ago. 2013. Disponível em: https://escamandro.wordpress.com/2013/08/05/shelley-duas-cenas-do-ato-3-de-prometheus-unbound/. Acesso em: 31 maio 2025.

Sahra Melihssa
Poeta, Escritora e Sonurista, formada em Psicologia Fenomenológica Existencial e autora dos livros “Sonetos Múrmuros” e “Sete Abismos”. Sahra Melihssa é a Anfitriã do projeto Castelo Drácula e sua literatura é intensa, obscura, sensual e lírica. De estilo clássico, vocábulo ornamental e lapidado, beleza literária lânguida e de essência núrida, a poeta dedica-se à escrita há mais de 20 anos. N’alcova de seu erotismo, explora o frenesi da dor e do prazer, do amor e da melancolia; envolvendo seus leitores em um imersivo, e por vezes sombrio, deleite. No túmulo da sua literatura gótica, a autora entrelaça o terror, horror e mistério com a beleza mélea, o fantástico e o botânico, como em uma valsa mórbida… » leia mais

Esta obra foi publicada e registrada na 17ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de junho de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.
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