Sangue e Segredo

Aviso de Conteúdo Sensível: Este material pode incluir descrições explícitas de natureza sexual, representações de violência e elementos capazes de desencadear respostas emocionais intensas. Por favor, proceda com cautela na leitura. Conteúdo destinado a adultos, para maiores de dezoito anos.

Criação do Castelo Drácula com MidjourneyAI

A lua em fantasmagórico lumiar pendia no céu como um pingente cinéreo e as nuvens, por seu brilho, transpassavam apressadas como um vapor lôbrego inenarrável. A escuridão da noite era o cântico mórbido do oculto, e eu podia ouvi-lo. Era símil a uma monodia litúrgica sobre um eterno e infindo estático piano tétrico. D’esta excêntrica aura sombria, pairava uma força ocultista que me embriagava, em silêncio. O Reino de Múrmura sempre esteve cingido por multíplices segredos, desde seu fundamento primordial, mas muito mais após o massacre que dizimou todo o clérigo do reino. Pater Nüllum é o último sacerdote designado pelo poder eclesiástico de Múrmura. Por uma revelação de Yehshuah, contou-nos Pater, ele pôde se afugentar nas cordilheiras durante a sangrenta e fatídica madrugada, no entanto, por seu desejo, explicara, morreria ao lado de seus irmãos e só não o fez porque jamais poderia contradizer ao Santíssimo. 

A origem do ataque continua nebulosa, eu era pequena demais para me recordar. Os mais anciãos nos contam que homens com espadas de ouro, vestidos em mantas e capuzes negros por sobre suas armaduras de tungstênio e obsidiana, cavalgando em vultos de cavalos com olhos avermelhados, atacaram a abadia e todo o templo Anciehnm durante a especial Missa do Ano Bissexto. Nenhum rosto era visível. Nunca se soube de onde eles vieram. O que há em comum por todos os relatos é o espargir de um fumo negro de cada um dos semblantes ocultos, bem como de seus punhais; Pater, contudo, acredita que estas visões eram a ilusão da Morte, causada pelo sangue sagrado derramado sobre a terra pura. O povo múrmuro evita trazer à tona este trágico fragmento da história, todo o mês nos reunimos para rezar pelas almas sucumbidas e pedimos piedade ao Santíssimo, para que não nos permita vivenciar outra obscuridade como aquela — mesmo assim, a reza é silenciosa e nunca conversamos a respeito, por profundo horror. 

A sensibilidade espiritual acometera-me após tal horrífico acontecimento, pois antes dele, mesmo ainda criança, nunca vivenciei nada que poderia indicar tal receptividade mística, porém, jamais pude contar a alguém essa repulsiva verdade, nem mesmo ao me confessar os pecados ao Pater que, estranhamente, parecia sempre me perscrutar de tal forma que raramente a conversa não se conduzia aos limiares do meu segredo. Corroída por uma mórbida soturnidade, embriaguei-me d’esta confidência até então, no entanto, uma experiência brumal, herética e profana, adulterou toda a minha alma e escrever é meu único alívio. 

Sob incontrolável insônia, às margens de uma inquietude sombria, eu ouvia, então, aquele cântico do oculto. Nestes vinte e cinco anos de vida, dez deles sob as Ordens Frateraris, nunca, aos meus sentidos, se desvelou tamanha hediondez. Ajoelhei-me próxima ao meu leito e iniciei minha reza em busca de conforto que, por infortúnio, não viera. O Santíssimo parecia distante, como se jamais pudesse pisar nas terras múrmuras, muito menos na Abadia de Múrmura, feita para a sua glória, mas que possui um chão carmim, desvirtuado pela Morte de centenas de inocentes. A aura se densificava. Mesmo ao abrir de todos os vitrais de meu aposento, mesmo sentindo o frígido manto do inverno adentrar sem piedade o meu recinto. Cada vez mais perto do horror eu parecia estar e quando notei, pelos meus olhos aflitos, um fumo negrume espargindo no ar, temi que minha vida estivesse em perigo. 

Levantei-me apressada para fugir, mas, assombrei-me de súbito ao ver, frente aos umbrais de meu recanto, um homem estático, com sua face envolvida a um manto escuro por onde se difundia uma palpável encarnada névoa, vívida como sangue. Suas mãos eram de um homem viril, bem como seu tamanho e sua força — tão visível mesmo por detrás de suas roupas, as quais se assemelhavam às de qualquer cidadão múrmuro. A imagem daquele homem deixou-me atônita de pavor, eu podia ouvir um sussurro longínquo e grave advindo de seu semblante oculto, de seus lábios quais não me alcançavam a visão. Senti-me meândrica, com a garganta obstruída por uma perturbação inominável. Em sinal de rendição, com lágrimas vertendo em meus olhos obstúpidos e inertes, ajoelhei-me frente a criatura oculta, uni minhas mãos como em oração. 

“Por…favor… não me… faças…mal…” implorei. Sei que devia ter clamado ao Santíssimo e não ao espectro demoníaco que certamente advinha do inferno amorfo. Mas, eu estava perturbada. Temia pela minha vida diante toda aquela energia negrume abrigada em sobrenatural perversidade. Meu corpo oscilava de pavor à crueldade pressentida. Refém de angústia e covardia, ao pânico da minha vulnerabilidade, prostrei-me ao solo, devastada, cativa de martírios, em tortura silente, desesperadora agonia. Senti-o próximo tão súbito quanto o seu surgir e, no ápice do medo mais pulcro, eu o ouvi proferir palavras quais descobri, posteriormente, se tratar de uma língua ancestral.  

“Oblíqua fé — axioma, teu lastimar. Sorva o surdir, me pertença, tal quando o casto avistar, que olvidaste”. 

Naquele instante, contudo, eu apenas não o compreendi, isso fez-me desaguar às lágrimas ainda mais soluçantes até uma força estranha elevar-me o tronco prostrado e fazer-me o rosto olhar para a criatura em pé, frente a mim, tão próximo que nele tocar era possível, todavia, meu corpo estava corrompido pelo domínio das trevas, meus joelhos ainda ao chão, minha face desolada próxima de suas mãos. 

Amedrontada, forcei-me o livramento daquela invisível manipulação e, n’um célere movimento para trás, senti-me a pele tencionar-se, e todas as veias de meu corpo ficaram aparentes, violáceas, pude ver o sangue açodar por dentre elas, ascendendo-me uma dor aguda. A possessa rigidez a controlar meu corpo fez-me dar-me, assim, por vencida. Vedei meus olhos a cerrar minhas pálpebras. “Por favor…” roguei outra vez. E a voz da maligna entidade ressoou tumular, obrigando-me a olhá-lo, cruel, e sendo invadida, em minha íris lacrimal, pela imagem de seu estado pecaminoso, completo e hirto, dentre suas vestes; n’este instante, uma reminiscência veio-me à mente, a qual duvidei ser mesmo minha, ou se tratava-se de uma ilusão implacável.  

“Tempo inerte, débil vós, parte d’alma pútrida pelos teus lábios infantes, ao tingi-los, meu rastro de morte” 

Nela, ainda criança, vi aquela mesma entidade, mesmo sem rosto, era a mesma, no entanto, lá estava com sua espada de ouro sendo fincada no coração de um sacerdote. Na missa, ainda com sete anos de idade, a criatura virou seus olhos para mim — olhos que estavam debaixo da escuridão, mas que decerto me viam, despindo-me a alma. E lembrei que a ela sorri. Tal verdade, no pântano de meu inconsciente, suscitara no fracasso de minha fé, pois vi tal entidade mórbida e para ela sorri como se eu a conhecesse, vinculando-me à sua atrocidade. Tal ser, com sangue em sua arma e mãos, viera até mim, em meio ao massacre, manchou-me o rosto de vívida seiva ao agachar-se para ficar à minha altura. Olhou-me nos olhos. Era ele. E sua escuridão fizera morada em mim, quando o fumo da morte me adentrou pela boca logo que o sangue manchou minha tez. Era ele. O mesmo que daquele horrendo massacre. Sob a verdade de que o sorri, de que não o temi e ele, ciente de tal sentimento genuíno, não me feriu. Há treze anos. 

Jamais serei perdoada pelo sentimento que brusco aflorou, tal negra magia, em meu espírito. Pela blasfêmia de minha pulcra idade e agora d’este tempo em que deveria resistir aos impulsos desprovidos de conhecimento; que agora me resplandece o discernimento que outrora eu não possuía, ainda assim, eis a verdade como um fender impiedoso de minhas vestes benzidas. Um elã singular cingiu-me o corpo ao ser deixado pela força manipuladora. “Eu amei… tuas sombras…” revelei, não mais aflita, resgatada ao sentimento primevo. A entidade levantou sua mão esquerda, n’um símbolo particular com seus dedos. 

“Da anima vieras, vestígio à nódoa, anima mácula, vestal amor, cultua-me e deflorarei” 

Embora tua língua antiga fosse ininteligível, de algum modo esclarecia meu peito cujo coração serenava. Logo, meu corpo tornou-se como, novamente, um títere, outra vez pela sua presença mórbida e minhas vestes se desintegraram em névoa sangrenta, meu corpo pôs-se desvelado em toda a pureza que possuía, ao que se refere à minha humanidade e não à minha alma já tão corrompida. A névoa escarlate passou a envolver-me a tensa tez e aos poucos adentrou-me inteiriçada, ascendendo-me uma sensação de luxúria fulminante. Minha pele rasgara-se, da virgindade outrora plena, e tive meus olhos revirados por um desejo pecador, onde meu corpo tremeluzia em prazer e a névoa atravessava meu ventre. A entidade tocou-me, por fim, o pescoço, e guiou-me à fenestra aberta, onde vi a lua, desta vez tão vermelha, e a neve tão pálida. Com sua descomunal força, agora física, com seu toque que doía cada centímetro de minha carne, a entidade debruçou-me à janela e tudo o que sei é da sensação lancinante de penetração lenta, perdurante, infindável, ao fundo do meu ventre, onde as sombras e a névoa sanguínea banhavam em fertilidade demoníaca. 

Penetrando-me, seus movimentos se tornavam violentos, da cruciante dor, uma vontade absurda por mais, mais aflição pungente que me embebia a ponto de minha saliva escapar pelos cantos dos lábios, os quais eu não podia fechar. Meus gemidos evadiam como um sopro, e meu corpo esmaecido era conduzido pelas mãos daquele que sempre amei na ojeriza de minhas promiscuidades subconscientes. Talvez para além da vida humana, tão antes de vir a nascer nas terras múrmuras. Seus sons eram símbolos do abismo, seu prazer era grosso em ódio e inefável crueza. Cada vez que o cume de sua rigidez me invadia, eu sentia a curvatura ríspida de seu membro em minha pele, próximo de meu abdômen, e escorria desse juramento entre sussurros inaudíveis feitos de ocultismo que jamais buscarei compreender, todo o meu olear translúcido, meu desejo desgraçado. Olhava para o templo enquanto era desonrada. 

A névoa sanguínea retornava e tocava-me os seios nus, bem como os mais frágeis contornos de minha vulva. E senti, no calor mais infernal, com a pele suada em contato com a gélida brisa de inverno, sendo em tortura vibrante, a dor de minha pele, novamente, sulcada, quando por onde a névoa passava em minha cútis, pequenos cortes se faziam, para o verter do meu sangue e isso bestializava ainda mais a invasão da espessura mórbida da entidade que penetrava ríspido e intenso. Meu prazer, vinculado à dor, era o verdadeiro paraíso santificado. Não sei como não despertei toda a Abadia, que chorei tanto e gemi muito mais, entre um vociferar ou outro, quando a névoa não violava minha boca por me fazer engasgar com sangue em minha garganta. Eu estava jogada à janela, apenas sem força alguma, foi neste crucial momento que a criatura expeliu em mim um exorbitante sémen negrume que me adentrou veloz, todo o meu ventre, fez-me regurgitá-lo pela boca, de modo que não sei como poderia ser possível. 

“Annor, invoca-me; pertença, vítima perpétua” — o último som que compreendi de sua fala em sigilos. Annor era seu nome, senti, sem necessitar nenhuma tradução. Expeli mais de seu prazer, pela minha boca, e assim fui levada à cama, pelos seus braços, manchando-a com sangue e pecado. Vi-o esvanecer pouco depois, soube que o serviria pela eternidade, pois o vendi minha alma com um tênue sorriso, um nunca esquecer, um sempre esperar por… agora sinto ser meu destino compreender o porquê.

A Literatura Erótica é uma arte, respeite a autora, mantenha-se distante e seja educado. Se algo te incomoda neste conteúdo, então apenas não leia mais as obras de Frenesia; se algo te agrada, aproveite em silêncio. A autora e o projeto não se responsabilizam por negligências alheias, más interpretações e pudores particulares.

Texto publicado na 4ª edição de publicações do Castelo Drácula. Datado de abril de 2024. → Ler edição completa

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Sara Melissa de Azevedo

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