O que é a Literatura Lacrimal?
Não quero que as longínquas gerações definam meu tipo de literatura, pois pode haver equívocos quais eu não poderei refutar, dado que na efêmera vida eu já não estarei. Percebo que o cenário literário atual é bastante distante do que escrevo, portanto, talvez eu não seja sequer considerada dentro do movimento literário desse século. Em razão disso, criei a Literatura Lacrimal. Estes, todavia, não são os únicos motivos que me instigaram a criá-la. Quero que fique, neste mundo humano, um pouco do que eu sou, eternizando minhas palavras para que, quando eu não estiver mais aqui, alguém possa se lembrar que isso tudo existiu, isso tudo que compõe a minha essência. E, por fim, em um cenário ideal, poder acolher almas perdidas que se identificam com o meu estilo e que, portanto, não estarão sozinhas, poderão seguir os preceitos e valores que deixei — já que não terei descendentes. Havendo uma reencarnação minha no futuro, poderei igualmente guiar a mim mesma, pois decerto carregarei no peito a mesma sensibilidade de agora, caso contrário, não serei eu mesma — no sentido mais profundo do conceito.
A Literatura Gótica foi a minha morada desde a adolescência; no entanto, dos clássicos aos contemporâneos, parecia-me faltar a languidez, a melancolia e, em especial, o vínculo com a vida. Em razão disso, com o passar dos anos e o amadurecimento de minhas palavras, percebi que não exatamente eu poderia me considerar uma escritora de Literatura Gótica, uma vez que, nem sempre, meu redigir caminhava sobre as mesmas pedras deste antigo movimento. Em evidência, dele tenho muitas influências, todavia, pensar na Literatura Lacrimal é sentir-se em um lar fidedigno, onde posso estar aquecida quando o árduo frio se dissipa. E sua lacrimosa essência tem significados inestimáveis, tais como as lágrimas em si mesmas, que vertem somente nas mais verossímeis emoções, guiadas pelos mais abismais sentimentos; e a tristeza enquanto marcante mentora para a compreensão da consciência e do ser — estes sentidos, e outros que serão explicados, revelam uma Literatura que, como movimento, carrega sua Filosofia, Moral e Ética próprias, que ultrapassam o entretenimento da boa-história e alcançam a humanidade bruta, lapidando-a com cuidado e integridade.
Em seu movimento, a Literatura Lacrimal poderá abraçar outras artes — da música à pintura, do teatro à dança; para isso, seu verdadeiro nome deve ser revelado, seu verdadeiro nome é Iluhrian (i-lú-rian) — e sou, portanto, a Iluhrian primeva; e, sim, é um nome distinto, de grafia inusual. O nome foi escolhido a partir de alguns fatores e eu os explicarei neste momento. Iluhrian possui as mais elementares letras de “Literatura Lacrimal”. As quais são: L, A, I, R, U. A letra “T” foi desconsiderada, pois, — e eis aqui mais um fator importante — ela raramente é usada em Ílus. Ílus, por sua vez, é a linguagem que criei para me nortear no âmago deste perscrutar-se na introspecção em busca de consciência; é uma linguagem com muitos termos complexos e bastante similar ao português e ao latim. “Que fantasia!” — talvez você diga. Ílus tem me acompanhado desde a adolescência, sendo criada aos poucos; falá-la, escrevê-la, desenvolvê-la me dá grandioso prazer, pois sinto que ela transmite um poder raríssimo de elo com a misteriosa totalidade da vida e da morte — eis aqui o porquê do uso da letra “N” em “Iluhrian”. É uma letra muito importante em Ílus, significando os enigmas da existência, todo o seu “nada” e toda a sua “nuridade” — esta última palavra vem de “núrido”, um termo criado por mim, seu significado é “que possui profundidade soturna e aspecto sublime”. E de “nura” que signifiquei como “silêncio”.
Reconheço que isso tudo pode trazer estranheza e soar demasiado fantástico para ser real. Sob uma demanda social de linhas retas, pela fixação extrema na “realidade factual”, qualquer aspecto curvo é considerado loucura. A Literatura Lacrimal existe para interligar-nos ao nosso próprio ser, buscando a consciência da compreensão do que somos e permitindo-nos vivenciar os sentimentos verossímeis; isso é o que extrairá, às palavras, a nossa mais autêntica humanidade. Quando trazemos à tona essa humanidade genuína, percebemos seu aspecto lacrimal — que será explicado nos parágrafos a seguir. Iluhrian, por sua vez, comporta a Música Lacrimal, a Dança Lacrimal, toda e qualquer arte que se una aos seus princípios. Pensar em Iluhrian é pensar na essência Lacrimal, no entanto, é importante dizer que o uso de “Literatura Lacrimal” será maior porque é de mais fácil compreensão às pessoas e porque não o Lacrimal sem a Literatura que o comporta.
Somos condicionados à realidade factual e eu entendo a importância disso. Desviar-se da realidade pode ser perigoso, pode se tornar um caminho sem retorno. Imaginar que uma pessoa criou uma linguagem para fins existenciais e não para fazer uma história de fantasia em cinco tomos, é difícil conceber. No entanto, a minha conexão com a Escrita é tão imensurável que, o mínimo a se esperar é que eu crie palavras e termos que possam expressar mais da humanidade que pulsa em meu cerne. É um chamado meu e assim foi desde que me fascinei com aquelas enormes letras do alfabeto desenhadas acima da lousa na primeira série do ensino fundamental. A Escrita é tudo o que sou, só de escrever isso já me emociono e vejo embaçada essas letras, inundando meus olhos em lágrimas puras. Demorei um tempo para escrever mais abertamente sobre meu vínculo com a Escrita, em razão de temer ser considerada exótica, perturbada ou estranha; mas, como previ, isso tudo não tem mais importância — o sincero elo com a Escrita me levará às curvas mais distintas e às palavras mais inconcebíveis e, por amor incondicional e consciência profunda, eu seguirei o seu rumo, sem medo algum.
Portanto, sim, Iluhrian é uma palavra da linguagem Ílus e a linguagem Ílus guia e guiará todos os aspectos filosóficos de Iluhrian. Iluhrian possui letras que remetem às palavras “Literatura” e “Lacrimal” porque, mesmo abraçando qualquer arte que coincida com seus preceitos, Iluhrian sempre será sobre Palavras, Escrita e Literatura, uma vez que a Escrita é o que nos difere de outros animais e Iluhrian é uma criação minha e a Escrita é a razão da minha existência, bem como o Ente que cultuo. Iluhrian está sendo registrada aqui para o futuro, quando a morte beijar meus olhos e sentir o sabor das lágrimas que estão sempre neles; meu objetivo é que aquilo que crio, que faz sentido para mim e que é, pois, eu mesma, se eternize aqui, assentado nas eternas palavras e, então, se alguém, algum dia, sentir o mesmo que eu, terá em mãos os primevos conhecimentos e poderá ampliá-los. Iluhrian é o nome verdadeiro da Literatura Lacrimal e carrega diversos significados existenciais, poéticos e filosóficos em si, o primeiro deles está nas lágrimas.
O Lacrimal
O Lacrimal é simples de explicar. Todas as emoções mais verdadeiras, incitadas pelos sentimentos mais profundos, geram nos olhos e corações humanos o Lacrimal. Diferente das lágrimas por descontrole emocional, por exemplo, ou pela dor física, o Lacrimal começa a verter do âmago da existencilidade do ser. Começa no peito, nas entranhas, e cai pelos olhos, lentamente. A dor física ou o choro pelo descontrole emocional também fazem parte da Literatura Lacrimal porque não manifestações humanas, mas o Lacrimal em si, é sobre o pranto silencioso e verdadeiro que carrega melancolia, languidez e contentamento. Contentamento? Sim. Em outras palavras, Felicidade. Ao contrário do que possa parecer à princípio, a Literatura Lacrimal não é sobre romantização da depressão profunda. Aspectos recorrentes em sua explicação que exultam a tristeza devem ser compreendidos pelo aspecto explicado acima, onde diferencio o choro do pranto. O choro advém de qualquer lugar e por qualquer razão, o pranto advém do âmago, da existência, e quando verte dos olhos, nos conforta com seus significados compreendidos em uma intuição bem originária que nos imerge em uma languidez melancólica e em uma felicidade bem primitiva e natural. Não é sobre cegar-se pela tristeza, é sobre permitir que a tristeza se manifeste e te faça enxergar além. Não é sobre morrer de tanta angústia em razão de um transtorno emocional, é sobre desejar viver só para poder sentir essa emoção tão pura que advém apenas do pranto, conectando-nos com nossa humanidade.
Ao vivenciar o Lacrimal, você percebe a diferença. Você chora quando alguém que você ama muito falece, certo? Esse choro não é o pranto lacrimal. Você vivenciará o pranto lacrimal quando compreender que essa pessoa que se foi ainda vive, vive em sua existência, no seu cerne. Você chora de raiva quando briga com alguém, certo? Esse choro não é o pranto lacrimal. Você vivenciará o pranto lacrimal quando o ódio dos outros te trouxer uma verossímil angústia junto de uma vontade profunda de curá-lo do ódio para que eles tenham paz, mas, você sabe que não pode fazer isso, então, as lágrimas vertem, o pranto dói, e a felicidade, neste caso, reside no seu gesto de poder apaziguar o ódio do outro, seja apenas encerrando uma conversa ou apartando uma briga. É interessante esse último exemplo porque a Felicidade, diferente do que se deduz, não é o mesmo que euforia; a Felicidade é um estado ramificado de condição existencial, isto é, ela é como uma árvore que vai crescendo e se expandindo. Às vezes ela é intensa, porque está crescendo rápido tal como as flores na primavera; mas, às vezes, ela tem um crescimento muito lento, então acaba passando despercebida. A verdade é que ela está sempre lá. Dizem que a felicidade vem e vai, mas na Literatura Lacrimal ela está sempre lá, tudo depende de como você a percebe e a vê e o quão fértil está o tempo e o solo que incitam seu crescimento. Porque, assim como uma árvore, a Felicidade está em quietude, proporcionando um ar fresco e uma sombra agradável para nossa existência. E assim como uma árvore, você só destrói a Felicidade se corroer-se com o que chamo de emoções-daninhas ou emoções-de-superfície — são emoções desequilibradas, impulsivas e transtornadas que só existem porque a sua conexão existencial está precária (evidentemente, algumas pessoas possuem isso por causa de condições físicas e, nesse caso, a problemática física impede a conexão existencial).
A conexão existencial, é importante explicar, não significa coisas como ser mais inteligente ou ser um indivíduo superior com sabedoria acima da média. Nada disso! A conexão existencial é algo que sempre se alcança, em menor ou maior nível; quanto maior o nível, mais compreensão se tem sobre si mesmo e, consequentemente, mais qualidade de vida, mais consciência. É como se você estivesse olhando para um arbusto em um jardim, mas, conforme você tem mais conexão com sua existência, você vai afastando seu olhar do arbusto e vai percebendo que há um jardim gigantesco e lindo por todo o lado. Então, aos poucos, você vê outro arbusto, depois uma árvore, de repente você está vendo um belo lago ao lado desses arbustos, até o momento em que você pode ver todo o horizonte, toda a fauna e flora do jardim. Portanto, se alguma coisa te impede de voltar-se a si mesmo e há um obstáculo para você trabalhar sua conexão existencial, isso não significa que você ficará para sempre olhando um único arbusto. Viver é sinônimo de ampliar a visão, você querendo ou não. A diferença é que, quando se desejar ampliar mais rápido a visão e enxergar tudo melhor, encontra-se o verdadeiro sentido da vida e, com ele, o Lacrimal.
O Lacrimal é o equilíbrio entre tristeza e felicidade, angústia e esperança, solidão e vínculo, sombras e luz. É poder sentir sem medo, sem culpa e sem descontrole. É poder vivenciar a humanidade que se tem, de modo intenso e significativo, sem o caos da ignorância. É o não ignorar, é o estar disposto a ir além do que se sabe. Na Literatura Lacrimal você encontrará muito isso, personagens que lidam com suas dificuldades em narrativas que exploram suas conquistas e mazelas conforme buscam mais conexão existencial. Sempre debaixo das asas do Lacrimal, essas narrativas de Literatura Lacrimal sempre mostrarão a languidez, a melancolia, pois estes são estados comuns para quem vivencia o Lacrimal na consciência de sua vontade em explorar sua conexão existencial. Não importa quais as emoções, sentimentos e compreensões, para o Lacrimal, valioso é o equilíbrio entre tudo, bem como a consciência de tudo. Nem sempre estamos em equilíbrio, nem sempre estamos conscientes; por isso sentimos a languidez, a melancolia e, por vezes, a soturnidade — e mesmo assim não nos desviamos do Lacrimal.
Você perceberá, portanto, que a Literatura Lacrimal se mostra em textos sobre a beleza da natureza, da solidão, da tristeza, da felicidade, da simplicidade, da grandiosidade das coisas, da angústia, dos detalhes, comovendo-se com o que existe e assim por diante. Vamos aos exemplos. Em “Requiem Aos Idos”, da minha Literatura Lacrimal, você verá a languidez ao lado da compreensão sobre o passado, junto de ambos está um ramo de felicidade — aquela que não faz alarde e se hospeda na quietude. Em “Outonal Lua Cheia” você também vê isso, mas com muito mais dos elementos da natureza, pois os elementos da natureza são importantíssimos na Literatura Lacrimal, são eles que conduzem a nossa existência, mantendo-nos no Lacrimal mesmo quando não estamos em seu equilíbrio total. Em “O Lírio e o Lago” o Lacrimal fica muito evidente em versos como “De modo sensível e vago”, “Protejo em meu peito, dorido”, “Um lírio tão pulcro e um lago” […] “Deságua a regar meu florir”, “De lúgubre e grã profundez:”, “Angústia que faz meu sorrir”.
O Onírico e o Terror
A Literatura Lacrimal é onírica. Isso significa que o universo dos sonhos está vinculado ao seu estilo. A simbologia do sonhar é valiosa para Iluhrian, pois sonhar é assimilar todos os estímulos da realidade e tudo aquilo que faz parte de nossa vivência desde o nascimento — e alguns acreditam que até mesmo antes disso. Portanto, em poesias como “O Lago Sombrio” você notará a narrativa profundamente onírica, onde o Lago descrito, a cada novo sonho, parece externar algo de misterioso para o eu-lírico que sonha. No exemplo desse poema, podemos encontrar o aspecto onírico em evidência, mas o Lago e todo o cenário transmitido, podem ser interpretados por aspectos mentais diferentes, onde o Lago pode ser qualquer coisa inconsciente que passa a lentamente ser compreendido. Esse desconhecimento, contudo, esse mistério, traz uma aflição e, talvez, medo. Por essa razão a Literatura Lacrimal pode ser escrita vinculada ao terror psicológico e às sombrias características da Literatura Gótica: criaturas, bestas, monstros, fantasmas, tormento, morte e assim por diante. A Literatura Lacrimal, porém, enxerga todos os demônios como aspectos do inconsciente subjetivo e intersubjetivo e como o caráter da obscura existência em todos os seus enigmas. O vínculo com a morte é visto como uma busca incessante pela compreensão desses enigmas que constituem a existência, portanto, se distancia do Gótico e se revela Literatura Lacrimal.
O Lacrimal não é o mesmo que o Gótico, mesmo possuindo influências do Gótico. Iluhrian é sobre vínculo existencial com a humanidade sua e dos outros, lidando com os terrores e fascínios desse processo, tudo traduzido em aspectos oníricos, exultando a beleza da natureza de tudo o que é e tudo o que há. O Lacrimal exige dedicação à autocompreensão e, principalmente, à Escrita. Enquanto o Gótico é um movimento que agrega muito mais do que a Literatura, chegando a existir pessoas Góticas que não são ávidas leitoras do Gótico; a Literatura Lacrimal exige leitura e escrita, principalmente a escrita, não se pode segui-la sem isso e não se pode autodenominar-se Iluhrian sem vivenciar todos esses princípios. Então, não, a Literatura Lacrimal não é o mesmo que a Literatura Gótica.
O Símbolo
Escolhi, como símbolo da Literatura Lacrimal, o diamante negro. O diamante real, transparente e brilhante, assemelha-se a uma lágrima — não em forma, mas em cor; e o preto existe por causa de seu aspecto onírico e mágico do universo em si, além de ser uma cor que transmite mistério e solidão. As quatro “pétalas”, que são o apoio aos quatro diamantes, bem como o círculo no meio e as pétalas pequenas, são o aspecto de flor, evidenciando o vínculo com a natureza e, a cor carmesim, significa toda a intensidade das emoções e sentimentos. O círculo em seu núcleo também representa proteção — estar-se protegido pelo ser-consciente. O símbolo completo carrega um livro aberto, uma caneta tinteiro e o nome “Iluhrian”.
De toda a representação do símbolo da Literatura Lacrimal, a Honra e Adoração à Escrita foi a única que ainda não mencionei com clareza e didática. Mas ela, e outros princípios não mencionados, serão publicados em um outro momento, em artigos ou ensaios que possam explorar cada nuance com mais cuidado. O leitor pode considerar isso uma introdução; percebendo que a Literatura Lacrimal possui a sua própria alma e se conduz com nobres valores e imersão sentimental. Acredito que essa introdução seja o início de muito o que será escrito a respeito e de muito que será vivido por mim e por todos que se identificarem com a essência de Iluhrian.
Em 31 de outubro será lançada a 10ª edição do nosso periódico Castelo Drácula, uma revista digital para apreciadores da Literatura Gótica, do Terror, Horror, Mistério e Fantasia Sombria….