Pedido Noturno
Victor não era um simples vampiro. Ele se adaptara ao século XXI de uma forma que os antigos jamais pensariam: utilizando a tecnologia a seu favor. Em uma era de conveniências digitais, ele se sentia como uma aranha no centro de sua teia, onde suas vítimas vinham diretamente com um simples toque no celular.
Naquela noite, em seu luxuoso apartamento, sentiu a familiar sensação de fome. Seu suprimento de sangue fresco havia terminado. Foi quando ele olhou para o celular sobre a mesa da cozinha.
— É tão fácil — pensou.
Ele abriu o aplicativo de delivery. Não precisava do cardápio, precisava de algo muito mais fresco, mais quente. Com alguns toques, ele pediu o prato mais caro da lista. Não importava o que viesse, mas sim quem iria entregar.
Sofia, que trabalhava como entregadora, estava exausta. A última entrega tinha sido um pesadelo: escadas quebradas, brigas de casal na porta do prédio, e a impaciência do cliente. Seu corpo estava sedento por descanso, mas as contas no final do mês não iriam esperar.
O pedido de Victor chegou, e ela sentiu um certo alívio. Um apartamento no centro da cidade, prédio luxuoso e sem nenhum risco. Uma entrega fácil para compensar o inferno que tinha passado.
Ela se arrumou rapidamente, checou a sacola com o pedido e seguiu para o endereço. O porteiro do prédio permitiu sua entrada sem questionar, como se já soubesse para onde ela se dirigia. O elevador a conduziu de forma suave até o 25º andar. Sofia queria apenas entregar o pedido, receber sua gorjeta e voltar para casa.
A porta se abriu antes que ela pudesse bater. Victor estava parado no meio da sala, observando-a com um sorriso, trajando um terno escuro que parecia ser de outros tempos. Seu olhar a fez tremer. Sofia tentava ser profissional, mas havia algo em Victor que parecia fora de lugar.
— Entre, por favor — disse ele de forma sedutora.
Ela hesitou. Não costumava entrar nas casas e apartamentos dos clientes, mas havia algo hipnótico na presença de Victor. Os pés de Sofia se moveram, e logo a porta se fechou atrás dela.
Victor caminhou ao seu redor lentamente, analisando cada detalhe de sua nova presa. O cheiro de seu sangue já dominava o ambiente. Fresco. Jovem. Perfeito. Ele a deixou sentir o desconforto crescendo a cada segundo.
Sofia entregou o pedido, mas ele não o pegou. Em vez disso, pegou sua mão e puxou-a para mais perto.
— Você parece exausta. Por que não descansa um pouco? — comentou ele, ainda com o sorriso, mas agora mostrando a ponta de suas presas.
Os olhos de Sofia caíram nos olhos de Victor, afundando em um poço de escuridão. Todo o medo, toda a urgência de sair dali desapareceram. Contra sua vontade, seu corpo relaxou, as pernas cederam até que ela caiu de joelhos no chão.
Victor abaixou-se para ficar ao nível dela. Suas presas agora estavam completamente visíveis, e seus olhos brilhavam com um vermelho intenso.
— É hora do banquete.
Ele atacou de forma violenta. Suas presas perfuraram o pescoço de Sofia como facas afiadas, rasgando a pele. O sangue explodiu em sua boca, quente, doce. Ele sugou de forma voraz, enquanto seus olhos reviravam em êxtase. Cada batida do coração dela era como um passo em direção à sua morte, e ele saboreava cada gota.
O corpo dela estremeceu em espasmos, sua pele perdia rapidamente a cor. Mas Victor não se importava. A fome era enorme. Ele a levantou do chão e o sangue escorreu pelo pescoço de Sofia, manchando sua camisa. O som do sangue sendo drenado diretamente de suas veias era grotesco. Quando ele finalmente a soltou, o corpo tombou como uma boneca, e o silêncio voltou a reinar.
Victor olhou para o cadáver. Seu estômago estava cheio, mas sua mente fervilhava. Precisava se livrar do corpo.
Arrastou Sofia para o banheiro, onde havia uma banheira de mármore. Com um estalo seco, quebrou seus ossos para que ela coubesse ali.
Victor começou a cortar partes do corpo de Sofia com uma faca de cozinha, jogando os pedaços no triturador de lixo. No final, tudo o que restava dela eram resquícios de sangue no chão — que ele limpou.
Na manhã seguinte, o apartamento de Victor estava impecável. O sol brilhava lá fora, mas ele se sentia renovado.
Pegou seu celular e, com um leve sorriso, abriu o aplicativo de delivery novamente. Estava na hora de planejar seu próximo jantar.
Texto publicado no Desafio Sombrio 2024 do Castelo Drácula. Em outubro de 2024. → Ler o desafio completo
Residente de Dom Pedrito/RS, Cláudio Borba formou-se em Contabilidade e escreve contos de terror e poemas geralmente melancólicos. Ele faz parte de diversas antologias de contos e poéticas de diversas editoras. E atualmente trabalha para lançar seus livros de contos e poemas....
Leia mais em “Desafio Sombrio 2024”
Ando pelo único caminho que se atravessa na neblina cinza. Preciso chegar; devo estar atrasado. Inóspito. Inseguro. Lanço dúzias de preces e continuo…
A cama estava sem o lençol. O espelho estava quebrado. Na cômoda havia poucos pertences: apenas um hábito limpo, algumas roupas íntimas…
Mmoggun era um artesão que vivia em um vilarejo isolado, onde sua arte de esculpir máscaras era vista como uma habilidade quase mística…
Certa vez, na quinta série, adaptamos a brincadeira do copo para uma folha de papel. Nessa folha, escrevíamos o alfabeto no topo e as palavras…
Um haicai de Aryane Braun
Falos. Colecionava-os, de todos os tipos e tamanhos. Os primeiros, comprara em sex shops. Depois que se tornara médica legista, ficou mais…
O relógio batia nove horas, e José, diferente dos jovens de sua idade, preferia estar em seu quarto, testando algum software novo, descobrindo…
Na minha maldição de viver muitas vidas, ainda tenho a vã esperança de encontrar, além dela, todas as minhas almas amigas…
Sou acumulador destas saudades | que fazem coleção dentro de mim… | Eu guardo todas co’a maior vontade, | e ao peso que elas dão não dou um fim…
Entrevistador: Qual era sua relação com a vítima? | Amigo da vítima: Nos criamos juntos. Amigos de rua, de infância…
Buscando os lisos universitários | um passatempo que não muito exija, | retiram lá de cima do armário | um roto e velho tabuleiro ouija…
Essa massa purulenta | cuja dor e sofrimento | o meu peito, enquanto aguenta, | faz por ela um juramento, | tem por força de promessa…
Tudo começou com uma reminiscência. Caminhando pela rua, por alguma calçada que serviu de gatilho, voltei vinte anos atrás…
De bruços | amortalhado | escondo o rosto e | não rezo | há dias que me rendi | às horas | à persecução | desse uniforme humano…
De soslaio | en passant | caminho retrátil da vida | a vida | sensorialmente | num piscar de olhos |desembarque brusco | ato que rende e assalta…
— Alertei para ele não ir até lá... — disse Marcos, equilibrando seu corpo inebriado na banqueta, os cotovelos apoiados na bancada de madeira…
— Cara, acho que não está dando certo — falou Fabrício, observando o copo imóvel no centro da tábua. — Pois é. Não se mexe. Talvez devêssemos…
Tenho que acordar todos os dias às 7h da manhã. Mas levantar cedo nunca foi meu forte. Para que eu consiga, de fato, despertar até o horário…
Trabalhar era meu refúgio. | Eu via pessoas e conversava. | Me distraia, | Sorria... | Mas o mundo parou, | Silenciou | E diante de tanto horror, | Se trancou…
A grama arde | O ar sufoca | O canto dos pássaros foi silenciado. | As árvores, | Antes, imponentes e frutíferas,…
Pálida e fria como porcelana | Sentia-me como uma boneca. | Os olhos, antes cerrados, | Agora conseguiam observar tudo ao redor…
No canto ali do quarto| No escuro | Sentada e descalça, no chão frio | Observo as sombras que ninguém mais vê…
Quando o lockdown começou, muitos falavam sobre o fim dos tempos; como negar isso? Eu via apenas o nada lá fora, apenas fragmentos de uma…
Observo da janela o vazio lá fora; tudo está abandonado, assim como eu aqui dentro. O silêncio é preenchido apenas pelo sussurro do vento…
Na cidade pulsante de Nova Arcadia, onde o neon iluminava…
No coração de um lixão vasto e sombrio, onde o sol raramente penetrava a nuvem de lixo e decadência, vivia uma criança chamada Leo. Seu pai, um homem…
Ramalho era um homem praticamente invisível, não no sentido literal da palavra, mas na forma como ele caminhava pelo mundo sem chamar…
Samuel sempre foi um entusiasta da tecnologia. Desde pequeno, ele tinha um fascínio por tudo que conectava humanos…
Tia-avó Antônia era considerada "a tia legal”; adorava crianças, animais, coisas estranhas. Morou por muito tempo com a tia Vitória, irmã mais velha…
Toda fotografia é uma imagem que carrega o espectral: a morte. O instante fotografado jamais será vivido novamente; assim jaz um tempo que passou…