Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula

“De onde você vem?”, perguntou o SENHOR. Satanás respondeu: “Estive rodeando a terra, e observando o que nela acontece”. — Jó 2:2

No ciclo natural das coisas e acontecimentos, onde tudo nessa existência demonstra-se ser efêmero e transitório, não há tristeza eterna e muito menos alegria que perdure para sempre, e por mais difícil que seja a situação que alguém possa estar enfrentando, em algum outro lugar alguém talvez esteja numa tribulação um pouco mais desesperadora. Depois de mais uma longa noite de bebedeira, já em alta madrugada, naquela hora fria e silenciosa que antecede os primeiros sinais da aurora, tendo como única companhia uma lua cheia plena e brilhante, mas também já se despedindo no poente, Ewerton retornava para casa – ou pelo menos o pardieiro que ele naquele momento se tornara sua casa – para mais um dia de ressaca, desespero e muitas lamentações.

Caminhando em passos trôpegos, ziguezagueando pela rua, tentando a todo custo se manter de pé devido ao excesso de bebida e pela falta de alimento já de muitos dias, mesmo já não confiando mais na exatidão de seus sentidos que vinham lhe pregando peças nos últimos tempos, pôde ver ao longe que havia alguém sentado nos degraus da porta da igreja. Templo esse que, há não muito tempo atrás, ele mesmo um dia, fora ministro de celebrações e por vezes incontáveis foi arauto das mensagens das Boas-Novas. Ao se aproximar, logo pôde perceber que a pessoa que estava ali em completo abandono naquelas horas tardias era uma mulher, e pela posição que estava sentada com o rosto prostrado entre os joelhos, demonstrava estar num terrível desconsolo.

Ouvindo que ela suspirava ais de tristeza, e pela solidão noturna em que ela ali se encontrava, entendeu muito rapidamente com o restante de cavalheirismo e dignidade que ainda lhe restara, que deveria prestar-lhe algum tipo de auxílio, com delicadeza e parcimônia aproximou-se a ela, e disse-lhe de modo cortês:

– Boa noite, minha senhora. Há algo em que eu lhe possa ser útil?

Com movimentos leves de quem estava há muito tempo na mesma posição, ela sentou de forma ereta e com a face completamente banhada em lágrimas, e com certa dificuldade tentou lhe responder com palavras entrecortadas entre soluços e suspiros de dor:

– Boa noite, meu amigo. Quem dera, se alguém neste mundo cruel pudesse fazer algo em meu socorro. Aquilo que perdi jamais me será restituído e o que me foi tomado não pode ser devolvido.

Ao vê-la falando dessa forma seu coração dilacerado pela dor, se encheu de ternura. Não somente pelas palavras que exemplificavam sua própria situação naquele momento, mas pela forma como ela soube se expressar. De certa forma estava ele muito condoído com aquela bela criatura ali naquele estado de completo desalento. Mesmo com a visão bastante embaçada pela bebida e pela ausência de claridade no local onde se encontravam, ainda assim pôde perceber que era uma bela mulher, ainda transpirando o frescor da juventude, com uma aparência bastante agradável aos olhos e exalando um perfume bastante sedutor. De forma muito gentil, pediu-lhe autorização para que pudesse se sentar ao seu lado. Vênia que de imediato lhe foi outorgada. Com uma estranha expressão ela disse:

– Que pobre e infeliz criatura sou eu para impedir que alguém se sente na porta da casa daquele que é o Pai de todas as criaturas? Sente-se e esteja à vontade.

Ewerton, que naquele momento não sabia discernir o certo do incerto, mesmo não entendendo o porquê de ela ter dito aquelas palavras, com certa dificuldade sentou-se ele ao seu lado, e logo almejou saber o motivo de tanta tristeza numa mesma pessoa. Ela por sua vez, secando os olhos com as costas das mãos, relatou-lhe em poucas palavras sua trágica e inverossímil história.

– Vivíamos outrora numa bela casa onde éramos todos felizes e satisfeitos com tudo ao nosso redor, em tempo algum soubemos o que era necessidade, dor ou tristeza. Nossa existência era baseada numa plenitude infinita de deleites sem fim. Mas por escolhas indevidas, feitas por uma vil influência baseada em promessas infundadas, decidimos por trilhar caminhos obscuros e incertos. Desde então, condenados pela Justiça Divina, eu e meus irmãos somos impedidos de retornarmos para nosso verdadeiro lar e somos obrigados a vagar pelo mundo como pobres peregrinos. Sem termos um destino certo, transitamos por ermos caminhos em busca de um lugar decente onde possamos pelo menos poder lamuriar nossa infinita desgraça sossegadamente.

Ewerton, que naquele momento já não era mais senhor de seu juízo perfeito, esquecendo-se por um instante de sua própria situação desoladora, por mais uma vez, vendo-se como um ministro de Deus, mesmo tropeçando nas palavras, disse-lhe de forma muito afetuosa, como se fosse um pastor se dirigindo a uma ovelha que havia se perdido e fora novamente encontrada.

– Não deixe que a tristeza te assole dessa forma, tome conta de seus sentimentos, por mais terrível que uma tempestade possa parecer, o sol sempre voltará a brilhar novamente. Não se deixe abater tão facilmente, você ainda é jovem e muito bonita...

Nesse momento, ela esboçou um leve sorriso, que à luz do dia, certamente seria bastante sinistro. Ele continuou:

– ... Dias melhores sempre estarão reservados para pessoas iguais a você. Já é muito tarde, não é certo que ninguém esteja na rua a essas horas, principalmente uma mulher indefesa igual a você. Há muitas pessoas ruins e hostis nesse mundo, seres que não têm nenhum apreço pelo seu semelhante. Não posso de forma alguma permitir que algo de ruim aconteça a você.

Ela abaixou a cabeça em reverência, concordando. Ele nem pôde ver que ela esboçava um novo sorriso, tão maquiavélico quanto o anterior, pois estava ele bastante entretido com sua oratória. Juntando forças sem saber de onde, colocou-se ele novamente de pé, gentilmente estendendo-lhe a mão esquerda – na outra mão ainda segurava uma garrafa de bebida – disse-lhe:

– Minha casa não é muito longe daqui, se quiser me acompanhar, posso lhe servir um café, uma cadeira para se sentar e se for de seu agrado tentarei ser um ouvinte atencioso para uma boa conversa. Não tenha medo, sou uma pessoa inofensiva, só consigo causar mal a mim mesmo.

Ela, agarrando-se à mão que lhe era oferecida, tocando de leve com a ponta dos dedos uma brilhante aliança que ele ainda ostentava no dedo, desferiu-lhe um olhar que seria capaz de enxergar os recantos mais profundos de sua alma, e foi logo dizendo:

– Agradeço pela oferta, gentil cavalheiro. Mas não quero ser nenhum tipo de incômodo em sua vida. Longe de mim, causar qualquer problema em quem quer que seja de forma intencional, mesmo que eu quisesse não me é permitido causar-lhe nenhum tipo de mal.

Por um momento, ele olhou tristemente para a aliança e suspirando profundamente ao relembrar sua dolorosa realidade – que por um breve instante fora esquecida – disse-lhe:

– Não se preocupe com isso, minha amada esposa não está mais entre nós. Ela fora arrancada de mim da forma mais injusta possível, e como uma desgraça nunca vem sozinha, junto com ela também se foram o fruto de nosso amor e também toda a minha felicidade. Parece-me que somos dois seres abandonados pela providência divina, eternamente condenados à dor e a uma tristeza sem fim.

Quando disse essas palavras, uma coruja que estava assentada numa árvore próxima e presenciava toda aquela cena, deu um piado ensurdecedor e passou sobre eles num voo rasante até outra árvore logo atrás da igreja. Estando Christine já de pé, percebendo que o convite estava sendo feito de livre e espontânea vontade, decidiu que aceitaria acompanhá-lo até sua casa com a promessa que ele deveria se comportar como um cavalheiro respeitando sua situação de jovem indefesa. Caminhando a seu lado, ainda segurando a mão dele, ela logo quis saber o motivo que de alguma forma ele pudesse imaginar que ambos poderiam ser semelhantes em alguma coisa. Sem muita cerimônia o questionou sobre o que ocorrera à sua esposa e seu filho.

– Filha! Ela se chamava Esther e tinha apenas três anos, era apenas uma inocente criança praticamente ainda de colo. Ela e minha esposa Lucy voltavam de uma celebração na casa de uma irmã que padecia de um mal irremediável e já estando essa irmã no leito de morte, quis minha amada esposa prestar-lhe os últimos votos de fé e de esperança num lugar melhor. Minha amada Lucy sempre fora uma excelente companhia para pessoas nesse tipo de situação. A celebração – mesmo com a situação em si – fora bastante ungida e alegre e se prolongou um pouco mais do que deveria. Já era tarde quando ela retornava para nossa casa, e desde o início da noite caía uma chuva fina, o asfalto estava bastante molhado e escorregadio. Lucy era uma motorista cuidadosa, mas o condutor do caminhão que vinha em sentido contrário, talvez por mil outros motivos, mas principalmente por estar completamente embriagado, não pôde perceber que estava invadindo a pista contrária com seu caminhão carregado com madeira e sem tempo ou destreza necessária, bateu de frente no carro de minha esposa, matando duas pessoas inocentes que naquela hora trágica, retornavam de uma celebração em intenção a uma pessoa em profundo sofrer...

Nesse momento, Ewerton, largando a mão da jovem, cobriu o rosto em completo desespero, e após alguns instantes, tentando segurar os soluços que estavam em sua garganta, olhou para o céu e como se estivesse perguntando para o firmamento com palavras carregadas de ódio e desespero, disse:

– Como um Deus a quem tanto adoramos, que deveria zelar por nós, pode tirar a vida de duas pessoas inocentes que naquele momento estavam justamente a serviço dele?

Pegando sua mão novamente e levando-a aos lábios para um beijo terno, ela disse:

– Pensei que tivesse sido um caminhoneiro bêbado que causara o acidente!

– E por acaso, não consta nas Escrituras Sagradas que não cai uma folha do céu sem que Deus assim o permita?

Se Deus fosse realmente tão bom quanto se autoeleva, não teria permitido a morte de minha querida filha, que nunca causara mal a quem quer que fosse.

– Mas também está escrito que o livre-arbítrio é um presente dos céus aos homens, que lhes fora concedido como dádiva desde o princípio, o direito de escolha: “...Tudo lhe será permitido. Contudo, nem tudo será lícito...” Não deveis jamais questionar os desígnios de Deus.

– Minha filhinha, uma inocente criança de apenas três anos, teve a oportunidade de usufruir do livre-arbítrio?

Questionou ele de forma ríspida.

Alguém certa vez também disse: “... Entre o céu e a terra existe muito mais do que julga a nossa vã filosofia...”

Ao ouvir essas palavras, ele parou de repente e num gesto não tão delicado, soltou sua mão mais uma vez, postando-se de frente a ela, um tanto quanto assustado, e perguntou-lhe:

– Quem é você? De onde vem tanta eloquência numa pessoa de aparência tão jovem?

– Ninguém mais importante do que você mesmo! Alguém que outrora também foi esquecida por Deus. Meu nome é Christine e se pareço sábia é porque a dor e o sofrimento moldaram cada parte do ser em que hoje sou. E tenha mais cuidado com as aparências, Ewerton!

Naquele exato momento estavam de frente a uma grande casa com traços esplêndidos e elegantes. De uma aparência muito bela, mas parecendo estar bastante desmazelada pelo abandono. Parados frente a frente iluminados pelos últimos raios de uma lua poente, ela logo lhe perguntou:

– Aqui é sua casa? Não vai me convidar para entrar e cumprir as promessas que me fez?

Ele, tentando se lembrar em que parte da conversa teria lhe dito seu nome, e ainda assustado com tudo que estava acontecendo, jogou a garrafa de bebida que ainda trazia consigo na lixeira e, pegando as chaves, se encaminhou para abrir o portão que conduzia para um jardim que demonstrava ter sido majestoso em outros tempos. Colocando a mão esquerda em movimento de dúvida sobre a boca, tentando ainda se decidir se deveria convidá-la ou não para entrar em sua casa, pôde sentir próximo às suas narinas um belo perfume que ficara impregnado em sua mão. O cheiro voluptuoso que sentia, o terno olhar que ela lhe desferira naquele momento sob o luar e o senso de cavalheirismo ainda existente dentro dele, foram determinantes para a decisão de convidá-la a entrar nos recantos que outrora vivenciara os dias mais felizes de sua vida. Com gestos de galhardia fez uma reverência e, apontando a entrada de sua casa, convidou-a para que pudesse entrar em seu não tão humilde lar.

Deitada numa aconchegante cadeira de balanço na varanda, estava o animal de estimação de sua filha Esther. Thereze era uma gata de cor preta de um negrume escuro como uma noite sem luar. Seu pelo era tão macio e sedoso que chegava a ser convidativo para uma carícia. Contudo, assim que percebeu a presença daquela estranha mulher adentrando em seu território, esse animal que então tinha sido dócil e extremamente pacífico, ficou arredio e bastante agressivo, colocando-se em posição de ataque com unhas e dentes arreganhados e com o pelo todo eriçado como se estivesse vendo o pior dentre todos os predadores, pronto a lhe tirar a vida. Atravessou na frente da porta de entrada da casa e ficou andando de um lado para o outro barrando a passagem, como se fosse uma devotada sentinela, guardando um tesouro de valor inimaginável. Ewerton pensou que aquele animal estivesse tendo algum tipo de ataque psicótico, talvez devido à falta que estava sentindo de sua estimada dona. Tentou em vão dissuadi-la a liberar a passagem de ambos, mas assim que Christine pôs o pé no primeiro degrau que levava ao alpendre da casa, a gata ficou ainda mais arredia, emitindo sons ensandecidos e demonstrando que de forma alguma permitiria que eles passassem por ela para entrarem na casa. Tanto convidada como anfitrião ficaram estupefatos com aquela estranha atitude de um animal que por natureza deveria ser totalmente absorto a tudo aquilo que acontecia ao seu redor, e muito diferente dos cães não se importava em vigiar a casa de pessoas estranhas.

Já sem muita paciência e com muita vontade de entrar em casa para usar o banheiro – sua bexiga já o estava alertando há um bom tempo que havia necessidade imediata de ser descarregada – Ewerton desferiu um violento pontapé na gata, que foi lançada para longe da porta, que imediatamente foi aberta. Assim que a entrada foi escancarada os dois logo entraram fechando rapidamente a porta atrás de si, pois mal a gata caiu ao chão, assim que se refez da pancada que recebera, lançou-se outra vez a fim de que impedisse a entrada dos dois. Ewerton balançou a cabeça em gesto negativo, mas não mais deu importância à gata, que agora estava do lado de fora da casa. Pediu que Christine se sentasse e se sentisse à vontade, enquanto ele rapidamente pudesse usar o banheiro. Após ter respondido o chamado da natureza, saindo do banheiro que há muitos dias não sabia o que era um gesto de assepsia, disse a Christine que o acompanhasse até a cozinha onde ele lhes prepararia um café bem forte. Christine por sua vez solicitou-lhe para que ela também pudesse usar o banheiro. Mesmo envergonhado pela sujeira acumulada há dias, ele, como um bom anfitrião, pediu perdão pela bagunça e disse-lhe que se sentisse à vontade como se a casa fosse sua. Ela por sua vez, esboçando um estranho sorriso, respondeu quase em murmúrio:

– Não só a casa! Não se preocupe com a bagunça, meu adorável coração partido! Já estive em lugares bem piores, locais que poderia muito facilmente levar qualquer homem à loucura.

Talvez pelo barulho ensurdecedor que a gata fazia no lado de fora, miando e arranhado a porta e as paredes numa tentativa ensandecida de adentrar a casa, ele não conseguiu ouvir corretamente o que ela dissera. Mas, também não se importou muito com aquelas palavras e logo se encaminhou para a cozinha a fim de preparar um saboroso café, pois até ele mesmo naquele momento tão tardio estava ansiando por algo quente e bastante forte para recarregar suas energias e tentar diminuir a enxaqueca que já começava a incomodá-lo. Rapidamente colocou a água no fogo e, sem mais delongas, logo o café ficaria pronto. Christine, que se demorara mais que o normal a se recompor no banheiro, assim que saiu estava totalmente diferente da pobre jovem que fora encontrada se entornando em lágrimas jogada de qualquer forma nas escadarias daquela escura e solitária igreja em horas tão tardias.

A mulher que agora estava encostada no umbral da porta entre a sala e a cozinha de sua casa era uma criatura de uma beleza ímpar. Um corpo esbelto de altura mediana com curvas bem definidas dando-lhe uma aparência sedutoramente voluptuosa. Os longos cabelos negros que caíam em cascata pelos ombros descendo quase até a cintura, com belos cachos parecendo as ondas do mar em seu infinito vai e vem. Destacando-se ainda mais a beleza desse véu noturno, havia duas volumosas mechas pintadas com uma cor avermelhada quase próxima ao cobre. Essas mechas dividiam seu penteado ao meio deixando sua bela face quase toda à mostra. Seus olhos eram de um verde muito brilhante num tom extremamente hipnotizante, seu sorriso inocente era irresistivelmente encantador. Ela havia retocado minuciosamente a maquiagem e em seus lábios agora brilhava um batom na cor de carmim tão púrpuro como o mais puro sangue.

Aquela imagem deixara Ewerton tão boquiaberto que até mesmo o café que ele estava preparando fora esquecido e derramou-se no fogão. O pouco que ainda sobrara foi servido em duas canecas. Oferecendo uma das canecas para Christine, instou que ela se sentasse numa cadeira na mesa de jantar. Ela, ao se aproximar dele para receber o café, pegou a caneca e a colocou sobre a mesa, e olhando no fundo de seus olhos com um sorriso cheio de uma maliciosa volúpia, o questionou se não havia algo um pouco mais forte em casa que ele pudesse lhe oferecer. Ele por sua vez, rapidamente serviu dois copos com uísque e gelo. Christine sorveu apenas um gole de sua bebida, enquanto Ewerton entornou a sua de uma única vez acompanhado de duas aspirinas. Christine perguntou-lhe:

– E por acaso nunca te disseram que não se deve misturar bebidas com nenhum tipo de medicação? Que em alguns casos pode-se levar a pessoa à morte?

Ele de forma bastante desdenhosa, mas ainda assim com gentileza, respondeu:

– Nesse momento da minha vida, a morte não está na minha lista de preocupações, na verdade talvez seja o que eu mais desejo. Pôr um fim em todo esse sofrimento de uma vez por todas.

Christine deu mais um gole em sua bebida e, abraçando-o em seguida, deu-lhe um longo beijo que fez com que ele quase caísse, pois seus joelhos ficaram trêmulos e suas pernas perderam as forças por um breve momento. Ewerton, mesmo se quisesse, jamais poderia se esquivar de tal situação. Aquela bela mulher demonstrava ser inabalável em seus gestos, a copiosidade de seu abraço e o forte perfume que ela usava fez com que ele perdesse completamente todo o controle de seus movimentos, se entregando de corpo e alma aos seus encantos. Entre beijos e carícias ela o foi arrastando para o quarto, como se tivesse estado naquela casa por muitas outras vezes.

Inebriado por tanta beleza e influenciado pelo desejo que agora tomava conta de todo o seu ser, deixou-se ele levar como um cordeiro para o sacrifício. Na mesma cama que um dia fora o leito sagrado onde ele e sua esposa consumaram seu abençoado matrimônio e imaginaram uma vida alegre, cheia de sonhos e prosperidade, agora estava sendo usado para uma orgíaca prática sexual sem nenhum tipo de pudor. Ewerton pôde na penumbra daquela madrugada fria, experimentar delícias que talvez nenhum outro ser vivo tenha sentido nessa existência. Christine com o corpo completamente desnudo se lançava sobre ele e se agitava como se fosse uma serpente. Seus movimentos eram cadenciados como o pulsar de seu próprio coração, naquele momento no mais completo êxtase, Ewerton se esqueceu de tudo que já havia se passado na sua inútil existência sobre essa terra, e numa atitude impensada, influenciado pelo calor do momento disse em palavras claras:

– Faça de mim o que você quiser, sou inteiramente seu!

Christine, que estava sobre ele, o segurando pelos ombros, pareceu por um momento ter ficado maior e mais robusta, as mechas vermelhas de seus cabelos davam a leve impressão de estarem se movendo como se fossem duas serpentes, seu sorriso tinha ficado maleficamente sinistro e em seus olhos havia algo sobrenatural, pois eles haviam sumido por completo, deixando dois infinitos buracos tão negros como azeviche e para completar ainda mais o assombro que naquele momento tomara conta de todo o seu ser, ela com uma voz cavernosa num tom sombriamente grave, disse:

– Já há muito tempo que você me pertence! Eu apenas estava esperando o momento certo para vir buscá-lo para o lugar que lhe será destinado por toda a eternidade. Tal como nós, sentirá você também a ira de Deus sobre todos aqueles que ousam traí-lo.

Naquele último momento de medo e aflição, Ewerton compreendeu quem ela realmente era e tudo o que estava acontecendo. Mesmo tentando usar toda as forças que lhe restavam, não conseguiu se libertar dos braços daquela sinistra criatura que havia adquirido uma aparência terrível aos olhos humanos. Sentiu que um calor intenso subia pelo seu ventre e tomava conta de todo seu corpo, como se uma chama tivesse se acendido em suas partes. Quando pensou que poderia pelo menos gritar em última tentativa pela misericórdia divina, foi consumido por um beijo tépido, seus olhos foram tomados por um intenso clarão que logo se tornou em trevas absolutas...

...Os vizinhos agiram rápido acionando o corpo de bombeiros, mas as chamas foram implacáveis e toda aquela bela casa fora completamente destruída num terrível incêndio. De seu ilustre e outrora simpático residente só sobraram cinzas. Da construção restaram as lembranças de um tempo onde ainda havia paz e felicidade naquele lar. Entre vizinhos e curiosos que assistiam àquele infortúnio sem nada poderem fazer, vagava uma gata preta ronronando entre uma perna e outra em busca de conforto.


Escrito por:
Alex Miranda

Alex Miranda é professor da área de humanas, formou-se em Filosofia e História. Alex sempre foi apaixonado por Literatura, o Terror e o Suspense estiveram presentes em sua vida desde a infância, o que o levou a se aproximar de histórias do gênero. O autor, nascido no interior de Goiás, já possui algumas obras publicadas pela editora Hánoi, as quais: Bar de Suzana (2021) e Segredos inocentes (2023). Alex também possui outras obras em processo de criação. Suas inspirações vão de... » leia mais
19ª Edição: Revista Castelo Drácula®
Esta obra foi publicada e registrada na 19ª Edição da Revista Castelo Drácula®, datada de outubro de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula®. Todos os direitos reservados ©. » Visite a Edição completa

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