Memórias Afogadas
Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula
Este lúgubre castelo com certeza é o lar de muitas histórias, de muitos seres e muitas memórias. São tantos segredos aqui guardados, mas o meu, acredito que seja o mais apaixonado, envolto pelo sangue e pela culpa. Jamais esquecerei a noite mórbida e intensa em que cravei meus dentes em tua pele doce pela primeira vez, soube ali que jamais iria desejar outro alguém e, mesmo assim, parece que te perdi.
Lembro-me bem da primeira vez que te vi passar por uma fenda estranha, como se cortasse o mundo, nossos olhares se tocaram pela primeira vez. Eu te segui pela noite magenta e meu coração não suportou, apaixonando-se perdidamente por cada pedaço de ti, mesmo sem uma única palavra ser pronunciada. Eu não gostaria que tivéssemos um fim, mas como maldita criatura noturna que sou, minha natureza destrutiva precisava frustrar o amor transcendental que nos habitou.
Recosto a nuca na borda da enorme piscina, febril, como se meu corpo nu já não fosse meu, mas parte da água. As cores estonteantes oscilam entre roxo e rosa, tingindo o ar de vertigem, enquanto uma névoa branca desliza sobre o espelho líquido.
Dentro da piscina, observo as estátuas de mármore nuas ao redor. Vejo que elas não são apenas pedra. Seus olhos me seguem, suas bocas se curvam em sorrisos largos, trocando cochichos que ecoam baixos, incompreensíveis. Uma delas me encara com firmeza, parece-se contigo. Elas me veem derramar lágrimas de sangue por ti.
Ela continua a me olhar. A silhueta, os cabelos, as feições e todas as tuas características em um corpo pétreo e marmorizado ainda me encaram. Ela me lembra tanto de você! Do fundo da piscina, pétalas cintilantes sobem dançando silenciosamente. Minha respiração torna-se arrastada enquanto troco olhares com a tua estátua tão perto, tão fria e tão dura quanto nossa separação. Soluço em lágrimas.
Nos cenários de nossas mais fortes memórias de lubricidade, eu me encontro a todo momento desejando retornar no tempo. Sem ti, eu desejo que minha eternidade acabe. Estou em um transe ao flutuar, ouvindo apenas o leve som do movimento aquático. Tentando esquecer as feridas de meu coração morto e as duras memórias do teu amor e da tua paixão que deixei para trás. Estas castigantes lembranças de nosso envolvimento tomam conta de minha mente, fazendo-me lembrar de cada toque, de cada beijo e cada ato carnal que cometemos em nossos corpos tão libidinosamente. Eu desejava ser parte de ti, me unir a ti eternamente em um mesmo corpo como Salmacis e Hermafrodito.
Gostaria de me afogar nestas águas quentes na tentativa de que elas me fizessem esquecer a fúria de meu desejo insaciável por ti e cada lembrança tortuosa que acaricia minha melancólica libido na falta de ti. Eu anseio pela tua presença junto à minha, experienciar a sutileza e o torpor da tua pele, a maciez de teu rosto e o sabor danoso de teus lábios. As lembranças me consomem nestas águas:
Devaneio ao lembrar de como é sentir-te em meu íntimo: a ferocidade de teu toque por entre minhas pernas, sob a cama, fizeste-me liberar sons que antes estavam cativos em minha garganta, gritos abafados em frenesi delirante, ardentes de desejo. O calor da tua boca contra meu íntimo arrancava de mim espasmos, eu completamente incapaz de conter os gemidos que escapavam como súplicas entrecortadas. E tua língua, que me devorava, sem trégua, firme e voraz, roubando cada fragmento do meu controle, dominando-me. Eu me abria em arrepios sob tua fome, e cada investida me fazia implorar, ainda que em silêncio vacilante, por mais! O mundo se desfazia no nosso ritmo frenético e no gosto febril do prazer que nos consumia.
Nestas águas púrpuras observo os reflexos inebriantes das estátuas e permito que minhas lágrimas de sangue se misturem à tua intensidade, enquanto tento esquecer a dor. Mas… é impossível. Minha devoção é tua. Minha devoção às tuas mãos, que tocaram meu corpo com sofreguidão e torpor, conduzindo-me ao ápice dos prazeres lascivos de tua carne ardente. Recordo-me da minha respiração ofegante sobre teu rosto, de teus olhares devassos que devorariam minha alma, se eu ainda a tivesse. Aos poucos, desprendo a nuca da borda da piscina e deixo meu corpo deslizar para o fundo, como se a água me reclamasse.
O que mais eu poderia fazer? Deixei-me levar pelo medo novamente, afundando minha mente em pensamentos abruptos, frutos do meu fatídico apego evitativo. Eu te amo sem razão, sem medida, desde o instante em que nossos olhos se cruzaram sob a lua, com a constelação de Órion ao lado de Sírius e Júpiter. Amei-te profundamente até mesmo antes desses momentos, só nunca tive coragem de proferir as palavras quando ainda havia tempo.
Perder-te dói como se meu coração tivesse, enfim, apodrecido ao relento do tempo que nos separa. Amo-te tanto que nem mesmo estas águas de paixões infames conseguem me preencher. Meu corpo e minha alma, meu coração e minha mente sempre pertencerão a ti. Aqui, nestas águas, afundo-me e perco-me no fundo, como se nelas pudesse dissolver a dor insuportável por te perder.
As lembranças de nossos corpos entrelaçados, à luz trêmula da vela fúcsia, ainda dançam em minha mente e me seduzem sem trégua. Ouço tua voz em meu ouvido, clamando por meu nome, inflamando-se de prazer ao perder-se nos meus gemidos de luxúria. Ainda sinto a pressão de tuas mãos em meus pulsos, prendendo-me a ti, amarrando-me à força de um laço que transcendia o físico. Selamos um feitiço de libido, onde nos aprisionamos mutuamente, enquanto a vela ardia.
Desejo mais do que tudo sentir teu corpo contra o meu e ver teus longos cabelos soltos estirados sobre meu peito enquanto clamo pelo teu beijo devorador que me envenena de eterno prazer. Enquanto estamos distantes, eu não consigo ter olhos para outros lábios e ter uma chama sinuosa de paixão como a nossa em outros corpos depravados.
Desejo tanto que a água finde meu sofrer, esqueci-me do tempo observando o fundo da piscina e a vaga luz violeta que cintila aqui embaixo. O transe se desfez quando algo me puxou de volta: abrupto, revoltoso. Lutei em vão contra aquela força que me arrancava do silêncio líquido.
Quando retornei a mim, encontrei-te à beira da piscina. Não era exatamente você, mas uma figura de mármore, tão semelhante, tão cruel na lembrança. Mãos frias afastaram meus cabelos para trás de minhas orelhas, como tantas vezes fizeste. Lábios pétreos roçaram os meus, duros a princípio, mas logo se desfazendo em um calor febril. Os braços de pedra enlaçaram-se ao redor de minha cintura, colando o corpo marmorizado, ao meu, deixando-me sem ação. Um delírio tomou conta de mim quando as mãos frias desceram, aproximando-se do meu íntimo, e o beijo danoso, inescapável. Nenhum outro corpo poderia ocupar teu lugar, mas no mármore finalmente me afoguei por ti.
Júlia Trevas
Júlia Graziela Pereira Trevas é uma escritora de 29 anos, natural de Campina Grande, Paraíba. Formada em Letras - Inglês pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), também atua como professora de inglês. Sua paixão pela escrita começou ainda na pré-adolescência, quando compunha pequenos versos. Mais tarde, ao ingressar na faculdade, aprofundou-se na literatura gótica, que hoje é uma de suas principais influências criativas. Uma curiosidade interessante é que... » leia mais
19ª Edição: Revista Castelo Drácula®
Esta obra foi publicada e registrada na 19ª Edição da Revista Castelo Drácula®, datada de outubro de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula®. Todos os direitos reservados ©. » Visite a Edição completa
                        
            
  
  
    
    
    
  
  
    
    
    
Caríssimo Dom Søren. No meu coração reside uma profundeza triste que, como uma tenra maré, movimenta-se em ondas frígidas sobre a areia…