Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula

Um dia, Lorde Vlad resolveu agir. Era o proprietário de um suntuoso castelo, cuidadosamente desenhado por sua falecida esposa, cujo conhecimento em arquitetura permitiu que cada detalhe daquele lugar fosse confeccionado impecavelmente. Ele sempre considerou um exagero todo aquele espaço e recursos empreendidos em bens que ficarão aqui após sua partida — assim como para ela — que nada pode levar em sua jornada junto a Caronte.

Há algum tempo ele sofrera um mal, segundo suas suspeitas, fora revirado de dentro para fora e pretendiam utilizá-lo em uma doentia vivissecção. À medida que a dor aumentava, mais irascível ficava. Quanto mais raiva, mais cansaço.

Estava pálido, alguns de seus servos diziam que estava tão amarelado que parecia as folhas de outono que flutuam a esmo, comparação essa também em decorrência da visível perda de peso.

Afogava suas dores com bebida forte e sempre exigia que esse elixir fosse preparado mais e mais forte. Ele precisava dormir, só assim esqueceria a dor.

Decidiu consultar os oráculos, quaisquer que fossem suas origens e finalidades, desde que lhe oferecessem alguma solução. Chegou aos magos. Ele nunca se interessou em saber quais eram suas fontes, só pretendia obter a cura. Finalmente havia recebido um plano para sua cura. E assim ele decidiu oferecer um jantar.

Todos os homens do reino, entre 25 e 35 anos, foram convidados. O primoroso convite dizia que aquela noite seria uma data especial na história daquele local, pois o Lorde escolheria um dentre aqueles felizardos para receber o castelo e toda sua fortuna como herança. Como pode-se imaginar, todos os convidados não ousaram abster-se do convite.

No dia fatídico, chegaram cedo. Uma fila extensa se formava em frente aos enormes portais do castelo, que só foram abertos no horário exato. Os homens estavam animados e logo já foram servidos barris da bebida que o Lorde tanto apreciava. Após horas de confraternização entre si, finalmente, o grande banquete seria servido.

Mal sabiam eles que todo este tempo Lorde Vlad já os observava, pois pretendera escolher o homem mais respeitoso, sincero e gentil.

Após horas de comilança, Lorde Vlad interrompeu o burburinho e a algazarra generalizada, tocando com um talher de ouro em sua taça repleta do elixir:

— Meus bons homens, espero que tenham apreciado essa singela cerimônia. Não tenho a intenção de atrapalhar vossas conversas, mas preciso contar-lhes algo. Há alguns meses venho sofrendo mazelas, as quais não desejo nem ao pior dos meus inimigos. Em consulta aos sábios, descobri que seres espectrais tentaram contra minha vida e retiraram meus fluidos e órgãos com suas próprias mãos ressequidas. Devolveram as minhas partes para dentro de mim, mas os efeitos desse procedimento horrendo sinto até agora. Não sei até quando durarão meus dias nesta terra e, como não tenho herdeiros, preciso passar meu legado a um de vós aqui presente.

Um silêncio perturbador preencheu o enorme espaço. Mesmo com muitos convidados, ainda havia espaços vazios, mas o ar tornou-se pesado ante a este pronunciamento. Lorde Vlad, por fim, adentrou a espessa névoa que suas palavras haviam procriado:

— Meus bons homens, por obséquio, não me olhem com essas caras funestas. Tudo o que lhes digo é para que entendam meus motivos. Comam e bebam. À meia-noite irei anunciar meu escolhido.

Sob o efeito da bebida, todos os homens voltaram à alegria descomedida de outrora, como se ao se calar Lorde Vlad tivesse despausado a cena e todos pudessem voltar a rodar e girar sem limites.

Meia-noite. Desta vez, o pronunciamento foi exigido após os acordes do suntuoso órgão, que viera de terras longínquas, mas era como se uma marcha fúnebre retumbasse. A música ressoava tão forte que balançava as estruturas ósseas dos presentes. Horlok foi o escolhido, o herdeiro. Era o único sóbrio e sério.

Todos foram convidados a se retirarem. Restava agora a Horlok discutir os termos deste acordo. Deveria ter o seu nome no testamento.

Foi levado a um corredor, permeado de incontáveis portas, que, segundo o servo, eram alguns dos quartos do castelo. Ao final do corredor, chegaram a uma câmara iluminada, onde o Lorde e um senhor com roupas extremamente limpas o aguardavam.

Horlok não conhecia a aparência de autoridades da lei, mas aquele senhor não se parecia com um deles, arriscou pensar que era um médico.

— Sou o doutor Seward. O Lorde precisa saber o quão saudável és, pois não almeja correr risco de que seu castelo caia em mãos inimigas.

E sem esperar qualquer resposta ou reação de Horlok, segurou-o com ajuda dos servos, para que ficasse firmemente colado à mesa. Lorde Vlad estava deitado na mesa ao lado.

Após alguns minutos, Horlok estava inerte. Alguma mistura, que mais tarde seria conhecida como ópio, foi enfiada brutalmente em seu corpo. Suas mãos jaziam em cada um dos lados da mesa. Um corte profundo em seu abdômen permitiu que seu órgão fosse cuidadosamente retirado. O sangue escorria sem parar, mas o doutor não iria perder tempo com isso. Um corpo ao lado esperava ansiosamente pelos novos anos de vida que aquele pedaço marrom iria lhe proporcionar.

E Horlok sucumbiu. E quem diria que a má educação e hábitos torpes daqueles outros homens um dia salvariam-lhes a miserável vida.


Escrito por:
Michelle S. Nascimento

Michelle Santos Nascimento é paulistana, mãe, esposa e amante das artes, em todas as suas formas de expressão, desde que aprendeu que há todo um universo fora dela. Ama as ciências humanas, mas também tem predileção pelas exatas, porquanto é graduada em “Segurança da informação”, pós-graduada em “Gestão de TI” e “Engenharia de software” e trabalha como Analista de qualidade de software... » leia mais
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Esta obra foi publicada e registrada na 19ª Edição da Revista Castelo Drácula®, datada de outubro de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula®. Todos os direitos reservados ©. » Visite a Edição completa

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