Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula

O sol resplandecia imponente no firmamento azul-índigo. Diziam que era o dia mais quente do ano. Dentro da taverna, o calor era enlouquecedor; o suor não parava de exsudar da minha tez. Comecei a velar as horas com uma certa frequência, porém os ponteiros insistiam em caminhar morosamente. Parecia que o universo se deleitava com minha inquietação.

Apesar dessas adversidades, minha vida era boa. Tinha uma ótima casa. Trabalhar na taverna possibilitou conhecer muita gente e, consequentemente, suas histórias. Algumas eram fantasiosas por demais; era o caso do João, conhecido pela região por ser uma figura peculiar. Muitos o chamavam de “lunático” por conta de seus causos.

Suas narrativas rompiam o limiar entre a sanidade e a insanidade. Enquanto limpava o balcão, ele surgiu. Sorri e acenei; ele retribuíra minha saudação. Sua presença sempre animava o recinto, porém, enquanto caminhava, notei algo estranho. Conforme se aproximava, vi suas feições adquirirem contornos sombrios e seu olhar estava envolto por uma aura indescritível.

Ele trajava uma camiseta preta e calça jeans, ambas rasgadas e manchadas, e, nos pés, chinelos sujos. As poucas pessoas presentes espantaram-se, pois ele parecia desnorteado. Num estado de hipnose, ele se dirigiu até a bancada e sentou-se onde costumávamos conversar, mas permaneceu em silêncio. Aquele comportamento era estranho até para ele.

— Está tudo bem, João? — perguntei com cautela, mas obtive apenas o silêncio perturbador, acompanhado de um contido, mas assustador, sorriso.

Assustados, os clientes foram deixando o local, um por um. Minha atenção estava voltada para cada movimento seu. Sinceramente, não sabia o que iria acontecer. Talvez fosse melhor chamar as autoridades...

— Sangue, ele está vindo, prepare-se, Roberto — sussurrou João enquanto me encarava com olhos inexpressivos.

Nada me prepara para o desconhecido. Aquelas palavras soaram desconexas e confusas. Naquele momento, um desconforto se apoderou de mim; confesso que me senti observado. Repeti a mesma pergunta e obtive uma inesperada reação: ele começou a arranhar a madeira da bancada, gerando um som horrífico. Os movimentos das mãos foram progredindo, chegando ao ponto de as unhas se quebrarem, espalhando gotas escarlates sobre a madeira.

— Você precisa me ouvir. O Mestre está vindo e não há mais nada que possamos fazer — disse enquanto aniquilava e comia insetos como formigas e mosquitos que ocasionalmente surgiam.

Dito isto, pousou seu olhar nos meus e contou-me um dos mais medonhos causos que aquela taverna já ouviu. Sim, havia uma bizarra semelhança com a clássica obra Drácula, de Bram Stoker. Relatou que ouvira o chamado através de um sonho e, desde então, vive para o tal mestre, que lhe prometeu a eternidade através da aniquilação de pequenos insetos. Abismado, disse que aquilo era loucura e humanamente impossível; porém, ele se tornou mais agressivo, o que não é de seu feitio.

Temeroso pela minha vida, mandei que ele fosse embora. Falei que estava cansado e que precisava de uma boa noite de sono, pois o dia havia sido difícil.

João gargalhou de forma insana e alertou para que eu tivesse cuidado, pois hoje o mestre iria fazer uma visita. Deixou a taverna me encarando com um sinistro sorriso, o qual certamente me causaria pesadelos. Saí o mais rápido possível dali. Respirei aliviado ao entrar em casa. Tranquei a porta, liguei as luzes, tomei banho, comi uma lasanha que fiz no dia anterior, escovei meus dentes e me preparei para dormir.

Meu quarto não é tão grande, mas é confortável. Minha cama fica abaixo de uma janela de madeira deteriorada pela cruel maresia. Ao lado direito, uma mesinha de canto com uma moringa de barro e também uma Bíblia severamente desgastada pelas traças e bastante empoeirada. Em frente à cama, havia um aparador com um televisor. Por fim, um ventilador de teto que também sofreu com a maresia. Deitei-me e logo senti a brisa rastejar sutilmente pelas frestas da janela, produzindo uivos agourentos. Alguns minutos se passaram, comecei a sentir as pálpebras pesarem e finalmente consegui dormir.

Em determinada hora, acordei com uma intensa falta de ar. Em vão, meus olhos arregalados fitaram a pálida parede em busca de respostas. A cama de madeira rangia com pesar. — É apenas um pesadelo — repeti essa frase incontáveis vezes, como um mantra. Aquele medo irracional cravou suas perversas garras em meu corpo. Foi quando ouvi algo lá fora.

O som era semelhante a um sutil, mas imponente, bater de asas. Isto foi o suficiente para deixar as janelas inquietas. Em posição fetal, criei os mais irreais e absurdos cenários. Contemplei, então, uma presença abissal projetando uma densa sombra para dentro do cômodo. Em todo momento, ouvia as palavras proferidas por João e até cogitei considerar a existência de uma criatura tão aterrorizante como o personagem Drácula.

Sufocado, com o corpo encharcado pelo inenarrável, ergo uma das mãos em busca da janela. Abri-a e senti um denso vento gélido passar por entre meus dedos suados. Ao fazer isto, vi as sombras adentrarem, exterminando qualquer resquício de luz. Já não era possível enxergar o branco das paredes. Fechei-a imediatamente, mas já era tarde...

Sua monstruosa presença ocupava todo o quarto. No canto, ele estava a me observar. Mesmo com todo o breu, sua palidez era visível, assim como seus resplandecentes caninos. Percebo a nefasta criatura vindo ao meu encontro. Suas presas eram maiores do que havia pensado.

Ele parou, debruçou-se lentamente sobre mim, saboreando meu sofrer. Não consegui desviar de seu olhar vazio. Sua respiração era intragável. Ouço, então, sua boca abrir, revelando milhares de dentes. De sua comprida língua, gotejava uma saliva pútrida e viscosa. Seus olhos eram hipnotizantes. Antes que pudesse dilacerar meu pescoço, fecho os olhos e grito com todas as forças.

Acordo num quarto diferente do meu. A princípio, era tudo nebuloso. Então, ouço a porta abrir. Duas figuras de jaleco se aproximam.

— Vejo que acordou, Roberto. Como está se sentindo? — sua voz calma ecoou pelo recinto.

— Não sei onde estou. O que está acontecendo?

— Me chamo Pedro Sampaio, sou chefe da psiquiatria. O que direi pode ser assustador, peço que ouça com atenção. Faz alguns meses que você está aqui internado. Vizinhos encontraram você aos gritos, completamente histérico, balbuciando frases desconexas...

Minha respiração se alterou. Alguns fragmentos de memória surgiram em minha mente. Não é possível... Ele estava lá, seus dentes. O João estava certo. Tentei me mexer, mas fui contido, pois havia faixas por todo o meu corpo.

— Enfermeiro, por favor, aplique o sedativo. O paciente entrará em surto novamente. Antes de sentir os efeitos entorpecentes, escuto uma voz familiar cruzar o corredor, cantarolando a seguinte frase: “O mestre chegou e precisa de sangue.” João... é você?


Escrito por:
Pablo Henrique

Pablo é um escritor nascido no Nordeste do Brasil, em João Pessoa. Possui uma escrita bastante carregada em angústia, com a essência do terror, horror e ultrarromantismo. Sua paixão pela Literatura Gótica começou na infância. Algumas de suas referências literárias são: Mary Shelley, as irmãs Brontë, Agatha Christie, Edgar Allan Poe e William Shakespeare. Pablo Henrique também é artista visual... » leia mais
19ª Edição: Revista Castelo Drácula®
Esta obra foi publicada e registrada na 19ª Edição da Revista Castelo Drácula®, datada de outubro de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula®. Todos os direitos reservados ©. » Visite a Edição completa

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