Gêmeos
Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula
“Pensa que o dia passado não volta mais!”. — Dante Alighieri
O ar da tarde estava tépido, pairando úmido e denso, reverberando com trovões distantes.
Doutora Priscila olhava pela janela as escuras nuvens no horizonte e, suspirando doridamente, previu que a noite seria bastante tempestuosa. Naquele momento, aguardava sua última paciente do dia. Era a primeira consulta de uma criança que, segundo os pais, vinha enfrentando sérias crises existenciais devido a visões imaginárias. Nenhum outro detalhe fora informado por telefone.
Perder um ente querido é doloroso para qualquer um, mas, no caso de Priscila — que tinha apenas nove anos na época —, foi algo avassalador. Não pela morte em si, mas por como tudo ocorrera. Sua irmã, Cecília, afogara-se em um pequeno riacho nos fundos do sítio da avó. Ambas sabiam nadar muito bem e costumavam banhar-se nas tranquilas águas cristalinas daquele regato. Contudo, de acordo com o boletim médico, Cecília sofrera um princípio de convulsão após um mergulho e acabou se afogando às margens do riacho. O socorro foi rápido, mas a menina não resistiu e chegou ao hospital já sem sinais vitais.
Com a trágica perda da irmã, Priscila ficou arrasada; trancou-se no quarto e recusou-se a participar do velório. Entretanto, assim que o caixão descia à sepultura, ela teve um ataque de histeria, gritando que sua irmã estava viva, que a deixassem sair do caixão. Debatia-se, implorando que o abrissem, certa de que todos veriam que dizia a verdade. Cecília passara toda uma tarde na agência funerária, fora velada por uma noite e metade de um dia. Todos os presentes testemunharam que, durante todo esse tempo, ela esteve como um cadáver deve estar: completamente inerte.
A mãe das meninas morreu alguns anos depois e foi enterrada na mesma sepultura da filha. Quando os funcionários do cemitério abriram a cova, depararam-se com algo perturbador. A tampa do caixão estava bastante danificada por dentro; o forro, totalmente rasgado; e havia lascas de madeira entre o que restara das mãos da criança, que jazia deitada de lado, como se dormisse tranquilamente.
A partir de então, Priscila — que desde o velório da irmã alegava ver vultos e ouvir sussurros pela casa — nunca mais foi a mesma. Após anos de terapia, buscou na psicologia uma forma de ajudar a si mesma e também crianças traumatizadas como ela.
A secretária avisou que sua última paciente havia chegado. Doutora Priscila pôde ouvir o que a mãe, mesmo em sussurro, dissera à filha quando foram convidadas a entrar:
— Nenhuma palavra sobre o Gabriel...
Como era uma psicóloga muito proativa, Priscila rapidamente iniciou uma interação com as duas belas crianças que entraram em seu consultório. O menino era um rapazinho de cabelos cacheados, faces rosadas e sorriso fácil; a menina, bastante parecida com o irmão, distinguia-se apenas pelos longos cabelos e pela face salpicada de sardas. Os pais, imaginando que ela estava interagindo com sua filha Letícia, nada disseram e ficaram apenas observando.
Doutora Priscila, virando-se para a menina, perguntou qual era seu nome. Ela, muito timidamente, respondeu:
— Letícia...
Os pais ficaram estupefatos quando a psicóloga, olhando para a cadeira vazia ao lado da menina, perguntou:
— E você, rapazinho de cabelos dourados... qual é o seu nome?
Alex Miranda
Alex Miranda é professor da área de humanas, formou-se em Filosofia e História. Alex sempre foi apaixonado por Literatura, o Terror e o Suspense estiveram presentes em sua vida desde a infância, o que o levou a se aproximar de histórias do gênero. O autor, nascido no interior de Goiás, já possui algumas obras publicadas pela editora Hánoi, as quais: Bar de Suzana (2021) e Segredos inocentes (2023). Alex também possui outras obras em processo de criação. Suas inspirações vão de... » leia mais
19ª Edição: Revista Castelo Drácula®
Esta obra foi publicada e registrada na 19ª Edição da Revista Castelo Drácula®, datada de outubro de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula®. Todos os direitos reservados ©. » Visite a Edição completa
                        
            
  
  
    
    
    
  
  
    
    
    
  
  
    
    
    
Caríssimo Dom Søren. No meu coração reside uma profundeza triste que, como uma tenra maré, movimenta-se em ondas frígidas sobre a areia…