O abraço da Toreador - a gênese do vampiro Valentine Lencastre
Emergi das entranhas da Revolução Francesa, envolto pelo terror e caos que assolavam as ruas ensanguentadas de Paris. Ferido durante os tumultos da revolta, fui forçado a desertar, buscando refúgio nas terras desoladas e sinistras que testemunharam a brutalidade da guerra. Meu corpo curvou-se à dor, e, em súbito, abracei o solo de uma floresta sob o testemunho de hematófagos morcegos.
Fui resgatado por uma senhora, cujas escamas no rosto a tornavam uma figura ímpar, distanciando-a de qualquer similaridade com a condição humana. Ela, detentora de um silêncio descomunal, cuidou do meu corpo como quem pretendia embalsamá-lo. Ervas e muitas tiras de tecido tocavam minha pele carcomida. Eu vi tudo!... Mas toda vez que tentava falar, indagar onde eu estava, a minha língua mais parecia uma lemimscata, limitada a movimentar-se perpetuamente em si.
Fiquei sete dias e sete noites sob a tutela da anciã, até que, numa noite de plenilúnio, ela resolveu servir-me como oferenda para uma jovem e bela mulher. Todavia, por detrás de todo aquele véu de beleza e sensualidade, estava escondida uma fera faminta. Antes que a criatura se aproximasse de mim, a velha bruxa despiu-me de todas as ervas e tecidos e, com uma jarra, encharcou-me de vinho enquanto proferia algumas palavras em língua estranha, as quais evocavam a feroz criatura que habitava o corpo mais belo que pude conhecer em vida, pois também despida, em meio à penumbra, suas curvas se desenhavam alimentando os meus olhos com um espetáculo de rara beleza.
Enquanto a cópula era presente, a dama da noite, o ser advindo das trevas, em lascívia abocanhou o meu pescoço e cravou sem piedade suas presas. Fui do prazer à dor, da dor à morte, da morte à vida, pois renasci como uma nova criatura, mal sabia eu que havia sido escolhido devido ao meu ofício quando humano. Eu era um arquiteto, um dos mais requisitados da França, e ela, a besta da noite, pertencia ao clã Toreador e estava recrutando os melhores artistas para servi-los. A fome me apertava e o cheiro de sangue me atiçava a querer atacar a anciã que assistia a tudo com expressão de prazer.
Com orientação da vampira e algumas regras expostas, disse que eu não precisava atacá-la, pois ela era sua carniçal em troca de alguns presentes. Pegou a jarra do meu banho de vinho, atacou suavemente a senhora e encheu de sangue aquele recipiente, servindo-me ainda quente. Entendi, naquele momento, que os traços de humanidade que havia em mim não mais me pertenciam. Fui abraçado pelas trevas, fui abraçado pela sedutora Toreador, clã ao qual agora sou filho.
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