Convite
Um estridente ranger é ouvido por toda biblioteca; a porta fora aberta, mas permaneço encarando o temível livro. Quando um forte caminhar rasga o silêncio daquele lugar, causando sutis arrepios, em determinada hora, os passos cessam, pela minha visão periférica enxergo debilmente uma figura, ela traz consigo um castiçal contendo uma vela a qual projeta, sob o piso de pedra, dançantes sombras; ao virar, me deparo com uma figura trajando um manto sombrio e, após um comprimento formal, a figura estende uma das mãos, revelando um envelope rubro, se esvaindo na escuridão, deixando-me sozinha novamente.
Abro o envelope com cautela, meus olhos quase saltam da órbita. Escrito em letras douradas, no papel de mesmo tom rubro, um convite para um exuberante baile de máscaras; tal ideia me encanta, pois, sonho com este momento desde criança, leio com atenção as instruções, assim como a localização dos meus aposentos, bem como meus trajes.
Eufórica, imaginei-me rodopiando com algum deslumbrante vestido, animada, guardei o convite na jaqueta, respiro profundamente, e ele ainda está lá, o livro clama por mim, creio que terei tempo de vê-lo, mesmo que rapidamente. Volto-me para o livro, deslizo suavemente meus dedos sob a repugnante superfície daquele puído e grandioso exemplar, deixando resíduos debaixo das minhas unhas. Havia um símbolo em sua capa, vejam bem, apesar de nova, sou bastante curiosa em relação ao oculto, consumi alguns livros sobre o assunto, mas esse símbolo me causa certa estranheza, nunca vi nada igual, e se encontra severamente devorado pelo infindável tempo.
Ao abri-ló me deparo com uma série de funestos símbolos e fragmentos de textos, escritos em uma língua desconhecida, tão antiga quanto a existência. O odor ferruginoso salta no ar, fazendo-me salivar, meu colo pulsa fortemente, deixo escapar de meus lábios uma leve excitação, “preciso me controlar” digo a mim mesma, fecho o livro, e vou em direção aos meus aposentos, pois tenho um baile a ir.
Conforme eu caminhava, ouvia conversas e sussurros, alguém caminhava com graça sob saltos altos, escuto um ansioso respirar, notei algumas fragrâncias como sândalo, outras mais cítricas, cheguei até meu quarto e abri a porta. Meu coração, então, disparou, acima dos lençóis perfeitamente arrumados, encontrava-se meus trajes. Sem dúvida o anfitrião me conhecia, era um estupendo vestido longo renascentista, todo trabalhado no cetim roxo, adornos em rendas pretas abrilhantaram ainda mais a peça, por fim, uma encantadora máscara, feita inteiramente com rendas douradas e roxas.
Devidamente vestida, me dirigi com rapidez para o salão principal, meu colo batia descompassado, segui com mãos gélidas. Após atravessar um extenso corredor, me deparo com o salão principal, repleto de rostos desconhecidos, homens e mulheres trajando a mais pura elegância, todos exuberantes, tudo era maravilhoso, as máscaras deixavam tudo ainda mais misterioso.
Um quarteto de cordas tocava alegremente as quatro estações de Vivaldi, os acordes tocados eram um convite para bailar, meus olhos ainda contemplavam aquele belíssimo baile. Pouco a pouco os outros hospedes ocupam o enorme salão, meus olhos encontram uma estranha figura, ela se aproxima com leveza, muito cordial me oferece uma bebida em tom carmim, retribuo a gentileza, aceitando a taça dourada. Após erguê-la, sorvo de forma voraz, em seguida ele me conduz para o meio do salão, estende a mão direita e gentilmente me convida a dançar, ele trajava vestes negras, sua máscara do mesmo tom das vestes; seus olhos azuis me remetiam à horrenda noite em que experimentei o gosto amargo do sangue.
Após longos rodopios, encontrava-me em outro lugar onde a decadência reinava imponente, assemelhando a um sonho, o castelo estava em ruínas, todos os convidados assemelhavam a horrendas sombras bailando em celebração à depravação, a alegre canção que outrora preenchia o castelo fora substituída por notas fúnebres da sinfonia de Giuseppe Tartini, intitulada Devil’s Trill; a dança se tornou lascívia, com movimentos rápidos, meu estranhamento foi notado pelas criaturas, era possível ouvir sussurros maldosos através das sombrias máscaras. Soltei a mão do meu acompanhante e questionei o que estava acontecendo, mas ele gargalhou, senti o escárnio vindo dele.
Aproximou-se de mim e disse: “Você não pode fugir disto, é o seu destino! Entregue-se à escuridão”. Amedrontada, empurrei-o e tentei respirar, em vão, por mais medonho que fosse, ele tinha razão, pertenço à escuridão.
Sinto os olhos correrem em desespero por debaixo das pálpebras. Vagas lembranças dos fatos ocorridos na estufa atingiam meu corpo…