Baile das Sombras
Não duvido de mais nada… Deixei de duvidar há bastante tempo, e minha estadia neste Castelo, desde os primeiros momentos em que pisei com os pés aqui, me comprova ser totalmente compreensível uma abertura dessas para o mundo-outro, o outro-mundo… whatever…
Jamais sabemos o que pode estar nos esperando ao dobrarmos num corredor, ao abrir uma porta… De uma hora para outra, podemos cair num buraco do qual nem tivéramos notícias antes, ou então sermos puxados para algum recanto que também mal imaginávamos poder existir… Isso tudo tenho dado como possível de acontecer desde os últimos acontecimentos…
Finalizei minhas mais recentes anotações ao me deparar com batidas na minha porta… No quarto em que estava (concentrando-me em colocar no papel minhas impressões advindas dos fenômenos ocorridos nesse lugar), só podia pensar ser algum coabitante, outra presença, talvez, decidida a estabelecer contato e, quem sabe, me convidando para alguma conversa — coisa dificilmente vista no ambiente, devo ressaltar, longe de parecer desejada pelos presentes, ainda arredios pela recente chegada…
Aconteceu que não havia ninguém… vivalma alguma, no limiar de meu quarto, para me dizer o que quer fosse. O que eu entrevi ao olhar para os dois lados do corredor foi somente uma carta, quase sob os meus pés, mas chamativa o suficiente para me fazer pensar no porquê da pessoa que a deixara ali não ficar para me entregar em mãos… Situação no mínimo enigmática.
E qual não foi minha reação ao ver o remetente da carta: Drácula! Sim, o próprio, era quem aparentemente assinava... Ao menos, era o que eu não podia duvidar, tendo passado por todas aquelas situações vivenciadas até então, com fumaça nos corredores, presenças semifantasmagóricas no local…
Era um convite, me convocando para um baile no salão principal do Castelo; havia até a indicação de roupa formal para o “evento”, a qual eu encontraria, já à disposição, no armário do meu quarto. Ou seja: pensei estar passando por algo planejado antes mesmo de minha chegada! (em algum filme eu devo ter visto isso: convidados chegando inesperadamente, encontrando-se com outros desconhecidos, todos eles sendo, de uma hora para outra, chamados para igual confraternização… O jeito como isso acabava que não lembro de ser sempre boa coisa).
Enfim… me vesti, da maneira que achava mais confortável (pois, de fato, não sendo muito chegado a festejos, gosto no mínimo de me arrumar de modo que me sinta satisfeito dentro de alguma roupa de ocasião), e dei outra olhada naquele cartão deixado no sopé da porta. Li mais uma vez a parte em que dizia estar programado o fim do baile pontualmente às 3h da manhã… Ora! mais essa! Chegando às sete da noite, o desfecho seria nesse horário da madrugada, que, pelo que eu saiba, tem simbologias fortes e dizem ser o momento de maior ocorrência de fenômenos paranormais… Juro que estava empolgado, mas lá, no fundo, temendo algo do desconhecido…
Tudo no mesmo dia, tudo ocorrendo como se eu fizesse parte de algum jogo, fora do meu controle… Minha apreensão era do tamanho da minha curiosidade; ainda que não fossem muito claras as intenções para aquele convite, eu não tinha como não sentir certa “honra”, certa disposição positiva para fazer presença nesse baile que, a meu ver, tinha tudo para ser como eu imaginava: um salão suntuoso, repleto de mesas, lustres enormes, cristais… Mas entre todas essas divagações acerca do que haveria ou não no evento, o que mais me inquietava era saber sobre os outros convidados… Quem estaria lá? Será que outros membros do Castelo? Gente de fora?... Por conta disso, finalizei o trato do meu traje e parti, rumo ao salão principal.
Minha chegada ao salão foi do jeito mais peculiar que podia imaginar. Aproximando-me da majestosa entrada, ela parecia abrir de maneira voluntária, sem força aparente que a manipulasse… E qual não foi minha surpresa ao ver o que acontecia lá dentro: uma centena, quiçá milhares de pessoas (o que se via era uma nuvem de cabeças, de vestimentas e máscaras, impossibilitando meu olhar de enxergar a parede oposta de onde eu estava), a maioria trajada em vestes escuras, de rosto coberto, encarando umas às outras, de maneira que adivinhei casais confabulando entre si, amizades sendo feitas… Em razão do uso solicitado de máscaras, senti-me aliviado, pois, de outro modo, alguém teria certamente visto meu semblante impressionado e, também, assustado diante de toda a pompa…
Enquanto ensaiava uns tímidos passos em direção à mesa mais próxima, onde percebia um recoberto prato de refeições, fui interrompido… Uma mulher, um pouco maior que eu, completamente envolta em sua luxuosa indumentária (tão escura que fazia eu perder a perspectiva de seu corpo, perto de mim), estendia-me uma das mãos… Minha presença ali, que já parecia involuntária, agora estava totalmente ao dispor dos estímulos exteriores; sendo assim, sem demora, tudo o que lembro foi estender meu braço e me deixar guiar por aquela dama — sem saber seu nome, seu rosto, sem um pingo de consciência sobre quem me arrastava agora para o meio do salão…
Vou escrevendo na medida em que me recordo dos últimos acontecimentos no baile; pois, estranhamente, depois de me ver guiado por essa mulher, as imagens que me vêm à memória são de uma completa estranheza (pelo menos, da maneira com que me lembro).
Abrindo espaço entre as pessoas que nos rodeavam — todas de máscara, com taças na mão, misteriosamente encarando-nos dos pés à cabeça, sem esboçar outra reação —, fui percebendo que estava começando a soar uma música, sutilmente chegando de algum canto do salão e ambientando o lugar. Escondendo meu rosto por trás daquela máscara, mas ainda assim receoso de levantar o olhar e me deparar com algo além das minhas capacidades humanas, minha companheira desconhecida subitamente estacou o passo. Arranjando-me uma das minhas mãos ao redor de suas costas, com a outra eu maquinalmente suspendendo uma das mãos dela (recordo neste instante o contato com seus dedos, graciosos e gélidos dedos), nós iniciamos a dança…
Não tendo ideia alguma de onde eu poderia ter aprendido aquilo, simplesmente lembro de conseguir acompanhar minha parceira da noite. Seus leves movimentos de quadril e pernas, no ritmo da música que tocava, eram seguidos dos meus, nada estabanados, todos dando um prosseguimento digno e, diria, primoroso ao ritmo da dança.
A todo momento, quando nossos olhares pareciam se alinhar, eu tentava observar em meio àquela máscara dourada os olhos de minha enigmática companheira. Rapidamente, sempre que isso eu ansiava, ela baixava o olhar, e logo em seguida me envolvia em sua espiralada dança. Também a música, nesses momentos, parecia conspirar contra a minha vontade de adivinhar a identidade de quem me acompanhava, e sucessivos foram os períodos em que uma agitação tomava conta do salão, impossibilitando de vez qualquer iniciativa de estabelecer contato visual ou vocabular com ela…
A noite foi passada assim, literalmente assim… dançando, girando, contemplando os pares que surgiam ao redor de nós e se abraçavam, repetindo os movimentos de nossa dupla… ninguém, absolutamente ninguém eu pude perceber fazer outra coisa que não fosse dançar, rodopiar naquele salão e contribuir com o brilho de sua máscara dourada para o reflexo quase entorpecedor de luzes e mais luzes…
Tenho a absoluta certeza de que, desde o primeiro minuto em que coloquei os pés dentro daquele baile, nada mais fiz a não ser me ver dominado pela decisão daquela estranha e atraente mulher de me guiar para a dança. Levado como fui por suas mãos — aquele toque que ainda agora sinto roçar em meus braços, preenchendo meu corpo com frígida sensação —, somente lembro de ficarmos juntos, perdidos nas horas em que acontecia o evento e sem nos preocuparmos com mais nada. Nem mesmo a comida, que quase eu descobrira ao adentrar no salão, eu pude saber qual era… Cardápio nenhum passou por meus olhos e boca… Absolutamente nada foi o que eu fiz e descobri — além de me ver capaz de empreender alguns passos de dança, bailando junto de alguém cujo nome não tenho ciência, e me deparar sobre a minha cama, nesse meu quarto do Castelo Drácula (que leva o ilustre nome de quem assinava o convite, mas de quem não tenho lembranças de ter avistado durante a noite), após o que parecia soar como um aviso de que havíamos chegado, talvez, às 3 horas da manhã, horário final da festa…
Voltei a me encontrar com Ameritt, a convite dela e por motivos que ela mesma garantiu me mostrar. Estava em meu quarto, ocupado com a leitura e busca…