Conjuntra
Meu celular descarregou e agora tenho que anotar tudo em meu diário, ainda estou juntando algumas informações dessa sala em que me encontro. A cor de antes não se faz tão presente. Algo me diz que…
—Miau
— Jason querido, estou indo!
Tiramos quase todos os quadros possíveis em busca de alguma pista e agora o Jason, de frente para este quadro com o número quatro escrito envolto de rosas negras com uma serpente abocanhando o algarismo, me convida a abrir a maçaneta e entrar no oculto que eu tanto esperava.
— Miau
Jason me leva até algo.
Mal entrei no quarto para analisar tudo ao meu redor com calma, e já me deparo com um diário que muito me assusta, pois está datado em um ano muito distante do que estamos.
Quem será a dona destas palavras tão solitárias? Ela já teve acesso ao anfitrião? Será que ela ainda está viva?
“Benquisto amigo.
Admito minha insanidade ao crer na necessidade de oferecer-lhe o meu perdão, uma vez que és um ser inanimado, incapaz de ouvir-me ou sentir quaisquer sentimentos a respeito de minha terrível desatenção. A despeito disto, não devia tê-lo abandonado sobre a antiga arca no interior da sala de jantar, porém não controlei o impulso de atrair-me pela vista do antigo poço do pátio interno à luz do dia, envolto à neve nobre e alva, assentado sobre o pátio delicadamente. Sinto-me cada dia mais alheia e enfraquecida. Não usarei minha fraqueza como desculpa.
Penalizo-me por nossos segredos íntimos serem decodificados por uma figura masculina desconhecida. Pouco importa para mim sua origem, no entanto admito sentir o impulso de esbofeteá-lo no momento em que seus dedos tocaram sua encadernação e os óculos deslizaram em direção ao nariz assim que a respiração alcançou as páginas, embora, caso minha falha não fosse certa, descobriria não só o bisbilhoteiro como tantos outros embaixo do mesmo teto, como a mulher pálida de longos cachos cobres e seu gato, ambos sorrateiros como eu, escondidos nas sombras. Gostaria de poder conhecê-los, porém escondo-me em meu quarto por detestar quaisquer interações sociais.”
Me sento na cama para mergulhar ainda mais nessa evidência. Não consigo discernir muito bem os segredos dessa moça cujo nome parece ser Astrid, talvez ela tenha tido grande relevância para o aristocrata e poderia nos ajudar a encontrar as vozes que circulam no castelo.
Bisbilhotei ao máximo o diário, indo contra a minha vontade e me entregando na curiosidade de encontrar outra pessoa nesse castelo. Levantei-me da cama e já ia anotar no meu diário os acontecimentos, quando sinto um cheiro gostoso. O único alimento para esse corpo em que habito. Eis que me deparo com uma jovem atônita entrando no quarto, aparência jovial assim como minhas amigas de Fortaleza. Os cabelos cacheados, morena e…
— Jason!
— Miau!
— Meu amor, tenha cautela, preciso de sua ajuda neste momento, lembra de tudo o que conversamos. Estamos distantes de casa e precisamos ter calma, esconde essas presas agora.
Jason escondeu as presas e as garras, atendendo fielmente aos meus pedidos. Ele, vez ou outra, desperta um lado mais aguçado do vampirismo. Acredito que seja por ele ser um animal. Ainda estou aprendendo sobre tudo isso.
— Olá! Não tenha medo. Ele estava apenas sendo territorial. Chamo-me Maria e ele Jason, como já deve ter percebido. Como se chama?
Pergunto para a moça que está prestes a fugir. A jovem mulher quase despenca ao lado da cama, parece enfraquecida, meço a temperatura dela, porém ela se afasta bruscamente, provavelmente sentiu o quanto minha temperatura é diferente das demais pessoas, por eu ser uma vampira.
— És um dos moradores do castelo, estou certa?
Ela me questiona com um tom de voz arrastado.
— Não me considero bem uma moradora, sinto que estou apenas de passagem. Peço desculpas novamente pelo Jason, estávamos à procura do anfitrião e do diário que acabei encontrando… Aliás, você é Astrid?
Acho impossível que essa mulher tenha vivido anos sem ser uma vampira. Porém, não custa nada perguntar.
— É bom olhar para um rosto sob a claridade, não como vultos encobertos nas sombras. Sou Astrid Lencastre Mascarenhas.
Respondeu ela, massageando os pulsos de veias azuis salientes.
— Estamos em uma década diferente da qual está nas anotações do seu diário, Astrid. Hoje em dia temos uma tecnologia mais avançada e que as mulheres têm mais liberdade de escolha. Ainda falta muito a ser melhorado, mas posso te ajudar se quiser entender um pouco mais. Pergunto-me como viveu todos esses anos trancafiada neste lugar assombroso, sem se deparar com criaturas que vagueiam pela noite à procura de um pescoço para abocanhar. Tens noção que o anfitrião é um dos vampiros mais antigos?
Fico a pensar como ela, com essa aparência tão jovem, tem vivido aqui por todos esses anos sem se tornar a presa de alguma criatura do anfitrião. Será que ela é alguém tão importante para ele? Preciso descobrir mais detalhes e assim poderei entender melhor o que neste castelo me aguarda.
— Papai, e o meu colégio...
Respondeu Astrid levando a mão a boca, interrompendo sua frase, chocada com a notícia da passagem do tempo e da inexistência de pessoas do seu passado.* (Acrescentei)
— Já não existem mais!
Respondi confirmando seu maior temor
— Não estou pronta para ponderar a respeito.
A jovem mulher deixa o olhar vagar pela janela em busca de consolo na paisagem exterior.
— Eu escutei algumas vozes no castelo, mas não me atrevi a procurar outras pessoas senão o anfitrião.
Dei outro rumo ao assunto afim de dissipar a névoa melancólica que estava prestes a nos afastar.
— Eu a vi, ocorreu-me sobre sua necessidade de esconder-se, como eu. Não estou aqui por vontade própria, como sabes.
Ela aponta os dedos pequenos e pálidos em direção ao encadernado aberto sobre a cama.
— Não conheço o anfitrião, ele e seu estranho advogado, embora o tenha visto poucas vezes, geralmente pela noite, acredito que papai o tenha pedido para aterrorizar-me com suas estranhezas após...
— Quanto tempo você acreditava estar aqui, Astrid?
— Não compreendo parte do que vem ocorrendo e nada sei sobre o tempo, sinto-me ainda presa ao pesadelo remoto, justamente o qual venho vivenciando dias após dias.
— Entendo.
— Sonhas, Maria? Não sei discernir meus sonhos, ou melhor, pesadelos, desde minha estada neste castelo. Quando sonho vejo um relógio incrustado em ametistas, repousa ao meu lado, neste leito, embora eu o tenha abandonado anteriormente. Eu o aprecio e pouco me espanto no momento em que se transforma em uma obra de arte composta por ametistas rubras como o sumo da vida corrente em minhas veias, porém o rubro verte-se por todo o leito, emporcalhando a chemise em demasia, mesmo eu torno-me pegajosa e vermelha, e o sonho parece-me uma lembrança, uma lembrança ruim, a qual já não posso revelar. No fim, penso despertar, porém ainda estou presa ao sangue, mergulhada, e não mais no vermelho de outrora, agora a cor torna-se escura. Envolta ao plasma sangrento e viscoso, alcanço meu relógio de algibeira ao lado, e ao pousar meus olhos sobre ele, deixando a marca de minha impureza gosmenta e escorregadia, o dispositivo move os ponteiros freneticamente ao mesmo tempo em que o sino da catedral próxima, badala teimosamente quatro vezes.
Revelou Astrid.
— Bom, faz algum tempo que não tenho sonhos no meu leito, almejo muitas coisas, as quais minha alma gélida de alguma forma preenche o buraco que ficou quando a minha vida mudou drasticamente. Agora que você citou esse sonho, preciso te dizer, que ao entrar neste quarto, me deparei com um quadro com uma serpente e o algarismo quatro envolto de rosas negras, estas rosas para mim remetem a morte e nisso eu tenho experiência de sobra. Precisamos encontrar esse relógio, sinto que ele irá nos levar até as vozes e talvez até onde um certo aroma tem me inebriado desde que fui corrompida por uma sala violeta.
Expliquei a Astrid.
— Sei onde está o relógio incrustado em ametista.
Sinto certa surpresa por Astrid esconder essa informação durante todo o nosso encontro e me pergunto se seria muito intrometida em pedir sua ajuda para encontrar o objeto. *
— Por que nós três não saímos em busca das respostas?
Conheci o trabalho da artista através do Instagram e logo identifiquei a inspiração difundida em seus traços. A narrativa gotejada do contato da...