MidjourneyAI

O sol é intenso na região de onde parto. Sair do meu país é quase deixar de me descaracterizar fisicamente. Não sei se estou pronta para o frio que me espera lá fora. Mas consigo fazer uma boa viagem, enquanto admiro o alto mar que, com suas ondas sobre as pedras firmes, banha as terras locais. Preparo-me para o desembarque e é agradável ouvir as correntes que conduzem a abertura da grande embarcação. As vozes de pessoas se encontrando, felizes, me faz saber que estava sendo direcionada para um bom lugar, embora frio e escuro. Estava pronta, decidida, preparada para enfrentar o que me esperaria dali para frente.

Depois de muito procurar me situar no local, avisto um grande espaço: “É aqui”, pensei. Um borboletar em meu estômago denunciava que eu temia um pouco a nova vida.

Pude avistar grandes casas com balaustradas ornamentadas e muito bem estruturadas. Quantos braços foram capazes de levantá-las deste jeito? Quanto suor fora vertido? E quanta beleza! Faz jus ao trabalho feito.

Todas as casas e castelos, bem como seus espaços semi-internos são formidáveis. Mas me aproximo de um Castelo em especial. Algo aqui parece conversar com meu interior, me convidar. Respiro fundo e admiro todo ornamento e altura do ambiente. Aposento um pouco a minha trouxa e tenho certeza de que não serei confundida como ameaça, devido a arcos e flechas instaurados pela minha vestimenta principal. Pois, aqui parece bélico. E o contraste da minha certeza se funde às penugens sobre a minha cabeça. É. Enquanto penso no próximo passo, espero ser acolhida. Ajeito meu roupão em estilo cardigan e me cubro bastante. Não sei se a cultura local estaria pronta para a vestimenta de indígenas natos brasileiros, e não quero arriscar, até então.

Admiro, mais uma vez, e sorrio, mesmo sentindo medo — parece que algo vai acontecer a qualquer momento. Se sim, estarei pronta para qualquer vislumbre de fantasmas.

A minha vida é apenas mudança de planos. Desde que nasci, o plano era ter os meus pais vivos, cuidando de mim. Mas tudo mudou quando há vinte e três anos eu fui deixada recém-nascida em uma outra aldeia xamânica para não morrer como eles. Os líderes me deram abrigo, sobrenome e um linda cultura que se assemelha à minha.

Já crescida, o meu plano, agora, seria desbravar castelos e não aldeias. Agora encontro o Castelo Drácula, que, com muita nobreza, cedeu seu recinto para que eu pudesse visitá-lo, enquanto sigo viagem de férias.

Alguns acontecimentos em minha vida não são bons. Não tenho mais os meus pais e no final da minha adolescência tive o pior desprazer da vida de uma indígena. Desprazer este que não merece tal recordação.

A penumbra deste lugar se aproxima do que eu sinto em mim, pela morte dos meus pais, pela morte da minha honra. Para que eu decidi vir para este lugar? Para quê?

Respiro fundo e desvio o meu caminho, avisto um enorme e escuro castelo, com ar gélido e alvacento. Uma bela visão eu tenho. É a única explicação. O castelo é muito bem localizado e com característica fortemente gótica.

Logo olho para as minhas vestes. Vestes de gente que vive nos campos e nas matas. Com certeza os próximos fantasmas vão caçoar de mim, eu imagino, ainda mais que não sou totalmente aberta a pessoas estranhas, a relações. Preciso, ao menos, fingir que não tenho medo das pessoas. Talvez, no fundo, eu seja afetuosa. Talvez, seja só uma capa para camuflar os meus medos e incertezas.

Meus medos me fazem encolher-me em uma bolha somente minha. E espero que eu possa utilizar bem a minha sabedoria por aqui para interagir com as almas vivas ou mortas, sem assustá-las, pois, ando com meus arcos e flechas carregados sobre meu corpo como se fosse uma selvagem, e, também com essas roupas e tecidos me cobrindo da cabeça aos pés, eu sei. Mas este lugar parece pedir que eu mude totalmente esta roupa que me cobre. Pode ser que um outro clima e temperatura do ambiente me façam mudar de vez em quando. Contudo, não quero perder a minha essência. Talvez fosse receio dos meus líderes, eu mostrar em demasia a minha pele. Meu corpo se acostumou com proteções em todos os sentidos possíveis.

Posso sentir a energia de muitos espíritos passando por perto de mim, atravessando as portas deste grandioso castelo sem fazerem esforço e posso, também, ouvir sussurros sombrios ao longe, com ecos ensurdecedores.

Olho para todos os lados de maneira ainda redil. O novo me assombra, mas os meus líderes xamânicos estão sempre aqui comigo, dentro de mim. E me ensinaram que eu não devo ter medo de nada.

Talvez eu seja a mais estranha? Talvez. Mas uma coisa eu tenho em comum com todos os seres: uma etnia e um desígnio na vida, não importa o quão sombrio seja.

É. Eu acredito que estou pronta. Paro de pensar demais e adentro, enfim, o grande salão principal do castelo. Encantada, logo vejo que é muito mais do que pensei e terei muito o que relatar aos meus líderes sobre esta viagem. A conexão que eu sinto com este lugar é similar ao meu pertencimento com a terra. Preciso me instalar por aqui.

Para não parecer tão redil, caminho levemente, experimentando degustar com o meu cerne toda a atmosfera umbralina deste lugar, mesmo que haja ninguém. Do jeito incomum que eu estou vestida, alguém irá perceber-me e não posso ser confundida com as possíveis assombrações que irei encontrar aqui.

— Olá… — brinco assustadoramente com a minha voz, que viaja sozinha, repetitiva e decrescente por todas as paredes escuras e rugosas deste lugar.

Começa-se uma nova jornada para uma indígena brasileira que adentra os umbrais do primeiro castelo que irá estudar em toda a sua vida.

Meu coração é sombrio,
a minha mente, soturna,
o meu corpo é Tupiniquim,
a chama que vibra em minh’alma — noturna.

Texto publicado na 2ª edição de publicações do Castelo Drácula. Datado de fevereiro de 2024. → Ler edição completa

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Glícia Nathállia Campos

Nascida em um outono, na capital da Bahia, cresci em uma família que me proporcionou muito incentivo ao estudo e à cultura de qualidade. É por isso que sou uma pessoa que ama a leitura, o conhecimento, a escrita e outras áreas artísticas. Minha paixão pela arte faz aprofundar-me nela. Enfim, sou alguém com uma sensibilidade aflorada; aprendi a lidar com situações com muita humanidade, senso e responsabilidade. Sou livre de convenções e de preconceitos.

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