Ferruginoso
Imagem criada e editada por Sahra Melihssa, para o Castelo Drácula
Desperto mais uma vez em meus aposentos, e o que presenciei em Somníria reverbera em minha mente como uma tristonha canção. Melancólica, meus olhos passeiam pelas fissuras presentes nas superfícies das inúmeras pedras maciças do abobadado teto. Perco-me em devaneios sobre a construção deste imponente castelo, e uma pergunta paira sobre minha cabeça: quanto sangue teria sido derramado para erguer estas sólidas paredes?
Bom, estou ‘condenada a viver’ neste infindável limbo sob a regência das perversas mãos do desconhecido. Porém, algo me faz acordar deste transe: uma luz flamejante oriunda de fora atravessa a enorme janela, fazendo com que o lindo lustre vitoriano acima de mim brilhasse terrivelmente. Procuro abrigo na alta cabeceira de veludo verde, abraço meus trêmulos joelhos e me cubro. Parece que o sol está mais quente que o normal. Permaneço encolhida, enquanto a luz mortal consome ferozmente cada resquício de escuridão do meu quarto.
No momento em que cruzei os descomunais portões deste lugar, encontrei a morte algumas vezes, porém nada se compara a isto. De repente, um medo inexplicável perfurava minha alma, uma angústia sem razão aparente preenchia meu âmago vazio.
Precisava agir rápido. Procurei por espaços onde havia vestígios de escuridão; infelizmente, eles eram cada vez mais escassos. O desejo de saber o que se passa lá fora me perturba. O castelo, que em sua natureza é gélido, sentiu uma insólita e sufocante onda de calor, mas temo que essa luz não seja proveniente do sol, e sim de algo grandioso.
Finalmente, encontro uma brecha. Respiro fundo e salto da cama até a porta (ela se encontra a uma distância considerável). Enquanto saltava, desejei ter um breve vislumbre deste enigmático fenômeno, mas, ao fazer isso, deixaria este mundo num piscar de olhos, tal qual a mulher de Jó. Cheguei à porta, abri e saí com rapidez.
Ofegante, contemplei o longínquo e mal iluminado corredor. Caminho em busca de respostas, enquanto as sombras das pendentes velas parecem zombar de mim.
Será que Ameritt sabe de algo? Nosso último encontro foi catastrófico, ainda assim preciso vê-la. Após muito andar, começo a ouvir algo assombroso, um som que parecia surgir das espirais da cóclea, reverberando como um impronunciável sigilo, deixando-me paralisada. Porém, o som vinha de fora. Intrigada, encostei meus ouvidos sobre as paredes. Então ouvi algo tenebroso, semelhante a um terrível ranger de inúmeras engrenagens ocultas, girando em perfeita sincronia. Atônita, prossegui em direção ao oculto.
Em certo trecho, percebi que havia algo além do desagradável ruído: o ar estava denso, chegando a causar náuseas. Apoiei-me nas paredes, respirei e logo percebi: era o odor pungente de ferrugem. Apressando os passos, finalmente alcancei uma porta, que nada se parecia com a porta daquele mágico lugar onde Ameritt tão sabiamente zela pela estufa.
Erguia-se perante mim uma porta ovalada descomunal, feita de um material semelhante ao cobre. Havia incontáveis engrenagens e parafusos, de diferentes tamanhos e espessuras, cobrindo-a por completo. Pareciam provenientes de algum lugar do espaço; seu comportamento obedecia leis não terrestres. Cada engrenagem tinha sua forma de girar, criando diferentes sons, causando estranheza e uma inexplicável fascinação.
Não sei quanto tempo perdi admirando aquele monumento, mas precisava descobrir. Então, ao tocar na maçaneta, senti o repulsivo toque álgido do metal. Foi necessário um pouco de força. Ao abrir, sou recebida com um intenso sopro metálico; o cheiro me causou ânsia. Tranco-a.
A princípio, não consegui ver a dimensão do lugar. Manter-se em pé tornou-se difícil, visto que o ar ali era denso, quase palpável. Aos poucos, o lugar tomou forma através de sons. Ouvi o silábico gotejar de líquidos e também o leve chiar, indicando algum processo de ebulição. Lentamente, aquele lugar se revelou a mim. Era semelhante a uma caverna. Acima de mim, um inalcançável teto abobadado. A vasta e misteriosa vegetação se fundia com as engrenagens. Vejo também vapores índigos serpentearem pelo ar através dos tubos de ensaio. Envolvida pelo terrífico odor ferruginoso, caminho. Quero saber que surpresas me aguardam. É quando um sussurro ecoa:
— Quem está aí?
Sua voz, aparentemente gentil e amigável, me deixou tranquila.
— Pode se aproximar, eu não mordo.
Em seguida, sorriu de forma arteira.
Cautelosa, sigo. Conforme me aproximo, sinto novos odores: óleo queimado, resíduos de alguma alquimia oculta.
— Olá, cara visitante, como se chama?
Apresentei-me, mas com cuidado para não falar demais, apesar de me sentir à vontade perante ela.
— Prazer, Rose. Me chamo Evelyn Dubois!
Seus olhos me estudavam.
— O prazer é meu, Evelyn! Bom, que lugar é este? Eu deveria estar em outro lugar, mas já deveria ter me acostumado.
O castelo está em constante mudança: os corredores se alongam ou diminuem, portas mudam de lugar, além dos acontecimentos peculiares que comumente ocorrem.
Ela prestou atenção em cada palavra dita por mim, ao mesmo tempo que manipulava um líquido roxo em um tubo de ensaio.
Trajava um jaleco branco fechado por apenas um botão e, por baixo dele, havia um lindo vestido vitoriano verde-musgo. Seu rosto era delicado, seus olhos, verdes; seus cabelos pretos estavam amarrados; sua pele era pálida. Ela continuou:
— Bem, Rose, isso vai demandar bastante tempo, mas chegará um dia em que você se acostumará com os eventos ocorridos aqui.
Ela contou brevemente sua história: sua mãe era costureira, e seu pai, um excêntrico cientista. Sua obsessão era desenvolver tintas fotossensíveis. Mas, num fatídico dia, houve uma explosão. Após o incidente (ela não entrou em detalhes sobre o que acontecera a seu pai, e achei melhor não perguntar), assumiu as pesquisas dele. No entanto, de alguma forma, seu foco se voltou para a chamada "cor oculta".
Fiquei curiosa com sua história, e, quando perguntei sobre sua pesquisa, notei uma mudança abrupta. Era perceptível sua frustração em relação à sua pesquisa; parecia que não tivera bons resultados.
— Que lugar é este? — perguntei para mudar o rumo da conversa. Imediatamente, vi a mudança em seu rosto, tornando-se mais uma vez amigável.
— Você está em meu refúgio, um laboratório que se encontra nos arredores do castelo.
Comentou um pouco sobre um evento denominado "Nemonium" e, por algum motivo, uma horrenda criatura foi vista pelos corredores, assombrando os moradores. Gritos de terror foram ouvidos além dos arredores.
Um abrupto sopro de vida e meus olhos foram circundados pelo lume de um dia nublado. Eu dormia? Ao derredor, um cemitério árido e lúgubre descansava…