O Anfêmero de Dr Dhoren Mevin — I
Imagem criada e editada por Sahra Melihssa, para o Castelo Drácula
Dia 25 do ano 349 — em Phebrian | Senlen Plena e Pherr Crescente
Recebi uma missiva sombria sem remetente, mas julgo ser o mesmo qual o endereço em seu interior indica. A carta é uma síntese a respeito de uma mulher chamada Naia. Adoentada, sobrevive com mórbidos sintomas, os quais parecem distintos de tudo o que já foi visto. Com maior frequência, ela se sente febril, com dores pelo corpo, pústulas escurecidas na pele e tosse com mucosa símil a lodo, com sangue. O endereço localiza-se na costa do Sul de Sihren, em específico em uma província pequena, denominada Niërllia — levará dias para chegar, se a viagem for por trem, diretamente, sem paragens. Entretanto, creio haver um veleiro de Corvo-dos-mares, o qual Liom, porventura, poderá pôr-me a bordo. Só não compreendo o porquê estou tão interessado, acredito que a razão primeva seja uma descoberta para a medicina, ter meu nome ao lado de grandes outros nomes na Universidade Vonssihren — e não é todo o dia que se recebe algo assim, misterioso.
Nesta tarde produzi a primeira leva de Láudano com a folha da paineira que encontrei aos pés de Amorttam quando fui à Mansão Negra. Tenho prescrito Láudano de Lizzy para Ahzaez, entretanto, o efeito tem se retardado. Por infortúnio, não posso testar minha receita com ele, pois, havendo alguma infecção, isso poderia acabar com meus estudos. Preciso de uma cobaia irrelevante e esta mulher, mencionada na carta, pode ser apropriada, embora eu esteja certo de que não há propriedades passíveis de morte iminente em minha fórmula. Tenho avaliado cada detalhe com a Sciehn durante o processo de fabricação e estudo. Pelo que apreendemos, pode ser um marco na história da medicina, mas… o imperador não apreciará a ideia de utilizar uma planta de Amorttam para fins medicinais, isso será um grande empecilho.
Sabemos pouquíssimo sobre Amorttam, portanto, compreendo a preocupação do imperador. Também entendo o que o desmatamento pode ocasionar se, por acaso, descobrirmos que as plantas da floresta são capazes de ampliar nossos conhecimentos. Porém, a evolução não é uma opção, é uma obrigação humana. Não acho que Amorttam será destruída com uma colheita tão irrisória das folhas de suas setentrionais árvores colossais e, com o controle populacional tão bem refinado, não há razão para alardes.
Já preparei minhas malas e adicionei, em uma delas, todo o meu Láudano — orgulho-me em chamá-lo Láudano de Dhoren; alguns frascos de Phormo, Angrúnia, Seiva, Éter, Morfina e Femír também — acredito que serão úteis. Aguardo, com anseio, pela resposta de Liom. Por segurança, levo minha Sciehn desvinculada do Sehntrium Vonssihren — embora haja plena confiança de que seu acervo é encriptado; quando se tem em mãos uma grande descoberta, é valioso evitar que esta caia em mãos errôneas.
Dia 26 do ano 349 — em Phebrian | Senlen Plena e Pherr Crescente
Liom aceitou meu embarque; o veleiro é pequeno, para cinco marítimos e, por desígnio, um deles teve um imprevisto que facilitou o aceite para um tripulante de tamanho mérito. “Olha, Doutor, qualquer outro tripulante jamais pisaria na proa de Imedrar” — Dissera. Liom era um velho capitão; salvei sua filha ventral da morte três vezes e, portanto, sinto sua gratidão pelo seu triste olhar. “Imedrar” é o nome de sua nau — bem propício para um corvo-dos-mares. Nota: Checar as malas pela quinta vez, garantir que nada tenha sido esquecido.
Tive um estranho pesadelo n’esta noite, acredito ter emergido de meus pensamentos contínuos a respeito de Naia e sua doença. Nele, eu a via regurgitando um espesso lodo negro enquanto se arrastava em minha direção, proferindo-me meu nome. O lodo movimentava-se; pouco a pouco criava vida e me arrastava para o seu interior. A ojeriza e o horror paralisaram meu corpo e, só pela lembrança, um fétido cheiro embarga minhas narinas.
Isso é deveras estranho, beirando ao bizarro; eu raramente sonho, muito menos vivencio pesadelos de tamanho teor medonho. Acontece que esta missiva enigmática, quando entregue, trouxe-me calafrios; quiçá pela estranha letra cursiva ou, porventura, a descrição minuciosa dos sintomas da paciente. Devo enfatizar que, há uma semana, parei com o uso tópico de phleumoína — não causou efeito algum, à princípio. Tive um acidente pequeno com o bisturi e adicionar o líquido puro sobre uma camada de algodão à ferida foi uma maneira que supus ser útil para sedar o local— isso tudo em nome da Medicina. Um paciente confessara-me que utilizara de phleumoína em sua derme n’uma ocasião em que se perdera nas montanhas do império inimigo, tendo de agir rápido para a situação em que se encontrava. “Foi o meu milagre, Doutor” — segredara. Confesso que há diversas lacunas em sua história, entretanto, como sou um homem do conhecimento, decidi testar.
E, como previsto, não vi nenhuma melhora efetiva durante o uso, suponho, porém, que a não utilização n’esta última semana, poderia ter… não sei… pensei se tratar de um placebo e que talvez precisasse de álcool na mistura para ajudar na cicatrização. Todavia, estou receoso se teria, pois, seus efeitos alucinógenos atravessado a corrente sanguínea, embora tenha sido embebido tão pouco no algodão e, mais, trata-se de uma ferida supérflua. Tudo indica que não seria possível tal contaminação. Aliás, estou levando um único frasco de phleumoína, por precaução.
Por falar em medicações, injetei Éter em Enôra — foi sua terceira dose em duas semanas… não está surtindo mais efeito como no mês anterior. Cuidar de ventrais não é uma tarefa agradável, ainda mais com uma medicina rechaçada pela família real. Por vezes sinto os olhos do rei sobre mim, como uma grande e poderosa onipresente deidade…
A água ferve, é hora de minha infusão para suportar a oscilação marítima.
Dia 25 do ano 349 — em Phebrian | Senlen Plena e Pherr Crescente. Recebi uma missiva sombria sem remetente, mas julgo ser o mesmo qual…