Cúmplices
Agudo segundo que trouxe fogo em direção ao meu cigarro para queimar as pontas da incerteza num duelo da mente e do ocaso. Seria tão agradável que, com as razões postas em xeque mais uma vez, eu desfrutasse do colar da segurança.
Logo eu, médico de respeito, renomado doutor. Pai. Membro da sociedade do matrimônio perfeito, “até que a morte nos separe”. Deixar-me permitir tamanha ausência de decoro. Porém como resistir ao trepidante chamado: “O senhor…?”
As palavras mais pesadas de capitar.
Fui professor em Harvard. Tive experiências com mentes brilhantes. Mas não tão sinceras e plácidas. Meus ouvidos incharam como ondas sonoras espessas no espaço, correndo em busca da sintonia. Como delicadíssimo pedido saído de uma bandeira amante da pátria. Incorrigível e sensata. Não podia haver um NÃO! Eu saberia quando seria tão indelicado, tanto quanto matar sem sentido.
Os pelinhos eram brilhantes e imaginava-os roçando sobre a camada flácida da minha boca. E o toque que enchia os pensamentos de culpas continuava esvaindo em banais artifícios de conquistas. Soltaram-se sorrisos em favor da proeza que nunca se sentiu, mas que toda mística em volta suscitou um bravo descobrimento. Pero, Vás! Se encaminha às novas terras.
Encontro com a nudez provocante e sem pudor. Moças conheceram a magia dos rituais e saíram “sem cobrirem suas vergonhas”.
Aqueles sinais graciosos que apareciam em cima da testa, indo em direção automática à grande escultora que permanecia calada, soltando lágrimas de desejos.
A inocência transparecia a verdade. O axioma.
Conviver com isso era me transformar; transmutar; me remexer e me desfazer; refazer.
Imagem noturna; gemidos. Esse som me faz enxergar a direção correta. As covas que precisavam de sementes e a terra inteira que implorava por salvação. O correto e inabalável caldeirão de rosas, apenas, que carrega todas as fragrâncias dos campos e todos os desejos do mundo.
“O senhor é quem eu quero”.
Uma convenção tradicional figurava a disputa de sentidos. A mais dolorosa cor de culpa que pintava todos os órgãos do pecado. Eu estava em meia idade.
“O doutor...”
“O senhor doutor”
“Um grande exemplo”
“Um primor de rigor”
Atingido por mil léguas de distância da realidade, existia eu, sem ser médico nem senhor. Com vontades e desejos. Com folga e secreto.
Havia uma imensidão de eus conflitantes. Nunca imaginei que serenava discórdias, nem desejos fluídos e naturais. As convenções.
Contratos comigo mesmo que se estabeleciam desde o nascer. Que organizavam o distanciamento entre o bem e o mal. Numa balança quantitativa de sintomas. nunca diagnosticados e sem receita.
Um belo sono estancaria essa marginalidade. Mas não durmo, por não conseguir. Não respiro, por não poder falar. Nem consigo enxergar por poder imaginar o que será da vida. O que é a vida? Esse estalar de pouco tempo no complexo mutirão de famintos.
Lembro-me de menino e menina. Sei das aparências e vontades minhas, e como as domei em nome de algo que não se palpava, nem sentia. Apenas camuflava sobre um cobertor de irrealidades: a reputação.
O que seria um belo adormecer, se transformou no desejo de nunca acordar. Havia feito aquilo, meu corpo sabia e agradecia uma parte, a outra se julgava. Mas como resistir?
“Venha, quero ser sua”.
Deu-me vontade de botá-la de quatro, bater, beijar até não sentir mais as minhas próprias mãos, nem meu corpo. “Aquela não pode se atrever assim”, em vozes do pensamento. Deixá-la mole como se uma galáxia caísse, duma só vez, em cima daquele ponto brilhante e flamejante. Mas não pude. Sempre fui assim. Me contendo com um olhar de linhas grossas e agudez fria e gentil.
Sem resistência, arrebatamos uma aula sincera. Com todos os requintes pedagógicos do sexo, delicadeza e calmaria.
“É com o senhor que devo aprender”
É verdade. Como a verdade pode ser tão cruel. Ou o fato de não a encarar por medo pode ser crueldade. Fiz o que pude para ajudar. Acho que isso quer dizer que respondi às expectativas dos outros e às minhas também.
Não é nenhum jogo entre Deus e o Diabo, mas encontrar um sentido para tudo aquilo. Bastava à saciedade para ser válido. Ambos os resultados foram idênticos. Nunca pude imaginar um desfecho tão complacente. Cúmplices. As duas nódoas se misturaram em alquimia rítmica, soando baladas oitentistas regadas a alucinógenos espirituais. Uma nova voz se apresentou naquele meio, trazendo uma força vital de clareza nos acordes mais destoantes. Era algo novo e bem-sucedido.
Agora o vício avançava e voltava à imagem de um jovem, descobrindo os passos e as palavras. Dois jovens fazendo doidice sem razão. Unindo a esfera do oculto no labor cotidiano.
Quanto à liberdade. Essa, gigantesca explodia naquele instante e chocava tudo, fazendo um reboliço no conceito e transmutando a paz nas águas da dúvida.
Impulso e soluço. Regidos a sangue de espada cravado sobre o peito amigo. Sem traição. Sem constipação. Apenas soando orquestralmente os sonhos da própria ilusão de não ser só uma foda, mas a carreira e a moral que se tem a zelar perante a vida que se tem de viver.
Continuo nesse vício de me descobrir, mesmo já sendo feito; de me desconstruir, só para sentir o efeito.
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Um poeta, apenas. Nas horas vãs faz tecituras dos encontros nas ruas. Em cada esquina, cruzamentos e histórias se remendam em narrativas com experiências; Humberto, em movimento capta outros movimentos e exausto de sol, mas sustentado pela voracidade citadina, mantém duas vidas, a de professor usando as palavras cativas para a objetividade, e a de iludido quando escreve e se cura de amor. Pois não envelhece fácil quem vive em segredo.