O Reino dos Kingus
Os Kingus eram a família real do reino Kingus, eles protegiam seus habitantes das maldições e obscuridades das criaturas que viviam nos reinos ao redor, as quais eram cruéis e perigosas. A família real Kingus tinha o pai e a mãe Kingus, bem como dois herdeiros: o menino mais novo e a menina mais velha. Compunha a família três animais de estimação: a raposa, o polvo e o camaleão.
Era um entardecer bem amarelo com o sol negro e as nuvens douradas quando a rainha Kingus encontrou, enquanto caminhava pelo jardim de seu castelo, uma pequena pedra azul brilhante. A rainha Kingus nunca vira tal cor em sua vida. Imediatamente, então, ela pegou o artefato visando levá-lo ao Rei, no entanto, ao pegá-lo, transformou-se numa mórbida criatura azul que se assemelhava a uma figueira e tinha um rosto de abutre.
Em busca de ajuda, invadiu o castelo às pressas e em desespero tétrico, foi rapidamente presa e contida pelos guardas que honravam a proteção que dispunham à família real. A rainha transformada foi jogada na prisão dos calabouços subterrâneos do Castelo antes mesmo de poder olhar nos olhos do rei. Lá, na imundice e solidão, ela chorou.
Não tardou para que a família sentisse falta da rainha; a princesa foi a primeira a notar a ausência da mãe; chamou por ela sete vezes enquanto caminhava pelo jardim, antes mesmo da noite vir soprar a sua penumbra. O príncipe notou que a rainha estava ausente quando por ela não foi desperto de seu sono logo após o sol se pôr.
O rei, por sua vez, sequer teve tempo de notar a ausência de sua esposa, dado que, ao chegar ao seu Castelo, foi rapidamente informado do perigo da criatura asquerosa-abutre e, portanto, foi levado ao calabouço para inspecioná-la. O rei, como já compreendia o que precisava fazer para destruir o mal que se achegava em seu reino, passou pela biblioteca e pegou o seu livro de feitiçaria pútrida e desceu as escadarias que levavam ao cárcere subterrâneo.
Ordenou solidão aos guardas e afirmou que poderiam salvá-lo se ouvissem o grito da morte espargir de sua garganta. Assim, abriu a primeira porta do calabouço e, ao se aproximar da cela, ouviu uma lamúria que soava como um cântico divino. Assombrou-se, pois, não parecia advir de uma criatura como as outras. Portanto, chamou pela atenção do monstro dizendo-lhe para que o olhasse.
A rainha transformada ouviu seu amado e seu coração encheu-se de esperança, ela abaixou-se como em reverência, da maneira que pôde. Mas não sabia mais falar o idioma do reino, embora o entendesse com perfeição.
— Estranha criatura mórbida que reverencia um rei que não o seu. Estranho, estranho, jamais tal situação cruzou com o olho meu.
O rei Kingus começou a pensar e pensar enquanto andava de um lado para o outro do calabouço. Folheou seu livro de magia, mas foi em vão, portanto decidiu voltar a biblioteca para estudar seus bestiários, pois o animal, intuiu o rei, era de procedência rara e não necessariamente perigosa.
Ao retornar ao salão principal, soube do desaparecimento da rainha. Ficou, assim, enlouquecido; seus olhos vermelhos lacrimaram sangue e seus lábios tremeram de ódio!
— Mandaram um avis rara para distrair minha atenção enquanto roubavam o meu próprio coração! — Gritou o rei, fascinado pelo fel mais puro.
O príncipe e a princesa, que brincavam com a raposa e o polvo nos quartos acima, ouviram o alarde e se apressaram para descer ao salão principal; quando corriam, o príncipe tropeçou em seu camaleão que se camuflava no chão, então chorou e foi cuidado pelas amas. Mas a princesa não se importou com seu irmão ferido e continuou seu caminho.
Nada havia no salão principal quando a princesa olhou pelo balaustre, pois, seu pai, o rei Kingus, já estava na biblioteca e os guardiões seguiram em busca da rainha. Preocupada com a mãe, a princesa correu para seu quarto e iniciou o ritual de intuição para encontrar sua mãe. O ritual consistia em acender a quantidade de velas referentes aos anos já vividos pelo filho e desenhar no chão um círculo feito pelas letras do nome da mãe. Em seguida, um olho de gnomo e um par de brincos da mãe eram colocados em potes fora do círculo junto com larvas da terra num terceiro pote e, no último, fios de cabelo do filho. A princesa tinha tudo, menos o olho.
O rei vasculhou todos os seus bestiários e nada encontrou. Estava em um abismal estado de consternação e fúria. Não conseguia pensar direito. Portanto, decidiu transformar a criatura azul-esguia em um ser da sua raça para extrair dela as verdades acerca da rainha e de quem a sequestrou. No entanto, para tal feito, era preciso um sacrifício de um filho próprio do magista. Consciente da loucura, embora insano pelas atrocidades que imaginava sua esposa estar sofrendo, buscou nos livros a artnecromantia, pois seu plano era ressuscitar seu filho se assim fosse possível.
A princesa Kingus colocou seu capuz negro e vagou pelos jardins em busca de um gnomo. Não demorou para encontrá-lo, visto que era noite de lua morta e, quando a lua está nesta fase, os gnomos saem pelos jardins em busca de alimento. Com ajuda de sua raposa, conseguiram capturar a criatura e a princesa usou uma pequena adaga para retirar um dos olhos. Pobre criatura pequena que sangrou até a morte após ser abandonada no jardim. A raposa acabou comendo seus restos.
Vidrado em sua gana e rancor, o rei conseguiu encontrar sua resposta: sim, era possível restaurar a alma de uma criança sacrificada, no entanto, as sequelas poderiam levá-la a pesadelos terríficos constantes, paralisias durante o sono, delírios e atitudes impulsivas violentas dado que sua alma vagaria por um tempo no abismo dos sacrifícios. O rei não pensou duas vezes, pegou sua espada e caminhou para o quarto de seu filho mais novo.
Todavia, A princesa finalizara seu ritual e este fora bem-sucedido, portanto, ela soube, em visões, que sua mãe estava presa no corpo da criatura azul no calabouço do Castelo. Logo, correu para lá e encontrou seu pai, o rei, no caminho.
— Saia! Tenho pressa.
— Papai, papai! Mamãe está presa, servil, no corpo da criatura-anil.
Os olhos do rei se arregalaram quase a saltarem de suas órbitas.
— O que dizes, criança? Uma maldita, agora, esperança?
— Fiz o ritual que mamãe ensinou, para saber onde ela andou; salve-a papai! Vamos logo, vai!
O rei de Kingus sempre acreditou nas palavras de sua filha e, portanto, não poderia deixá-la sofrer em vão; correram juntos ao calabouço e a rainha transformada lhes jogou a pedra maldita e tentou comunicar-lhes o infortúnio como pôde. A princesa a compreendeu mais do que o rei, então, pelos registros dos artefatos sombrios da natureza, o rei descobriu que a joia era uma Laezili, pedra preciosa nascida de lágrimas de borboletas da espécie Sanguínea, esta costuma chorar durante seu processo de metamorfose. Assim, logo após deixar seu casulo, este se transforma em uma Laezili preciosa que pode ou não conter magias arcaicas em seu interior, a depender do ambiente em que a borboleta se desenvolveu. As magias arcaicas são inofensivas e tendem a durar pouco menos que três dias.
Finalmente, na aurora efêmera daquele dia tão assombroso, os filhos Kingus adormeceram logo após a rainha voltar ao normal, A rainha ganhou para si uma joia Laezili que, uma vez usada sua magia arcaica, não mais possui nenhum efeito contra seu portador. O rei sentiu-se culpado, após acalmar seus ânimos, sobre ter cogitado matar seu filho mais novo, no entanto, engoliu seus ardores, não contou a ninguém de seus planos mórbidos, pois sentia que não teria sido capaz, pois ele era o Kingus Rei e tinha o dever de proteger sua família de qualquer coisa, até mesmo de si.
Desvelei-me à vida n’um entardecer carmim com o ascender da Lua Cheia Sangrenta;…
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