A insônia mórbida de Laura conduzira suas últimas seis noites, isso resultou em olheiras fundas em sua expressão facial e cansaço agudo por todo o seu corpo e mente. O quarto que ela possuía era de poucos metros quadrados e estava sob penumbra úmida quando, na sétima noite, ela acordou às três da manhã imersa em agonia em detrimento de seu péssimo sono desde que se deitara às vinte e uma horas. Conduzia-se para o recinto, pela janela aberta, um orvalho da névoa que empalidecia a escuridão lôbrega lá fora. Laura abriu seus olhos aquosos em sonolência. Antes, contudo, de levantar-se e seguir ao banheiro como de costume e, então, lavar seu rosto amassado pelo travesseiro, Laura deu um sobressalto cujo ímpeto adveio do susto em brusco terror ao sentir que foi tocada por uma mão frígida em seu ombro.

Dos movimentos aleatórios, com o olhar atento a todos os lados perscrutando qualquer companhia, Laura sentiu seu coração bombear o sangue em suas artérias como se fosse a última vez que o poderia fazê-lo. Ambiente tão sombrio, mas nele havia apenas ela. E tão pequeno era o cômodo que ela notaria de modo célere quaisquer outras presenças. Atordoou-se. Pensamentos infinitos atravessavam sua consciência questionadora, mas as indagações podem levar a respostas, por isso, sem plena clareza, ela hesitou em tirar da situação uma conclusão precipitada. O silêncio, no acalmar de sua arritmia, era de um vazio agudo que contorcia em mil nós a garganta de Laura — ela continuava parada frente à sua cama rogando em silêncio por alívio. O infortúnio da desgraça é o palco dos insones e o medo é o primeiro ato, não tardou para que sua tez estremecesse quando, mais súbito que outrora, a mão álgida envolvera o tornozelo de Laura fazendo-a salta e gritar ao mesmo tempo, correndo ao interruptor em busca de luz.

O lumiar da lâmpada trêmula pelos ventos da cinesia bruta de Laura fora insuficiente para serenar seu frenesi fundamentado em horror, dada a veracidade indiscutível daquele toque. Incontida, curvou-se para verificar o que havia debaixo dos móveis de seu quarto, no entanto, poucos eram os que possuíam espaço e, nestes, sequer um pequeno camundongo poderia esconder-se, muito menos um corpo humano. Ergueu-se confusa e lenta, apoiou suas costas à porta na vã pretensão de amenizar as intuições persecutórios, porém, a mão impassível e, desta vez, morosa e invernal, envolveu o pescoço de Laura enquanto seus olhos se arregalavam em medonho pavor e seu coração pulsava pressuroso, o sangue da agonia mais cruel inchava as veias de Laura no átimo de segundo em que seu medo se encarnou em lídima fatalidade.

Laura solevou sua voz pávida num vociferar absorvido do mais autêntico horror. Esfregou suas mãos em seu pescoço enquanto abria, trêmula, a porta de seu quarto e seguia, trôpega, para a cozinha. Pânico etéreo, sublime terror, gritos agudos entre as paredes de concreto, dezenas de mãos mortas tocavam todo o corpo de Laura, seus gritos abafavam-se pelas palmas esquálidas enquanto a pobre sujeita se arrastava no chão, debatendo-se em tormento impetuoso a pedir socorro no instante que seu olho esquerdo, como se submergido entre os cadáveres moribundos do inferno, encontrasse uma pequena fresta a qual fitar o horizonte e, no segundo consecutivo, Laura fitou o espelho da sala-de-estar e viu-se no reflexo de uma hediondez onde o tempo suspende seu dinamismo e tudo o que existe é ela mesma, Laura, cuja fronte está abismada em expressão de assombro diabólico e nada mais. Nenhuma mão era vista no reflexo, nenhuma além de suas próprias que se contorciam junto aos demais membros de seu corpo suplicando pela salvação daquilo que seus olhos não podiam enxergar.

Sahra Melihssa

Poeta, Escritora e Sonurista, formada em Psicologia Fenomenológica-Existencial e autora dos livros “Sonetos Múrmuros” e “Sete Abismos”. Sahra Melihssa é a Anfitriã do projeto Castelo Drácula e sua literatura é intensa, obscura, sensual e lírica. De estilo clássico, vocábulo ornamental e lapidado, beleza literária lânguida e de essência núrida, a poeta dedica-se à escrita há mais de 20 anos. N’alcova de seu erotismo, explora o frenesi da dor e do prazer, do amor e da melancolia; envolvendo seus leitores em um imersivo, e por vezes sombrio, deleite. A sua arte é o seu pertencente recôndito e, nele, a autora se permite inebriar-se em sua própria, e única, literatura.

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