Coelhinho... O que fazes de mim?
Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula
A escuridão daquela noite me envolvia tal qual um abraço mortal, expulsando qualquer vestígio de sono. Desci em busca de um alívio, algo que me concedesse descanso. Na penumbra da cozinha, encontrei Ameritt — com seu olhar indecifrável e mãos delicadas preparando um chá. Ofereceu-me uma dose. Aceitei a oferenda sem hesitar.
Mas, ao invés de conforto, cada gole parecia arrastar minha alma ainda mais fundo na tormenta. Sequer sei se era ela ou se pretendia causar mais sofrimento… só sei que aquele chá não trouxe paz alguma.
***
Me vi observando alguns moradores de uma terra longínqua, seres interessantes e carismáticos. Muitos possuíam uma sensibilidade e melancolia sutil, que lhes conferia um aspecto pueril e misterioso.
O fato é que não sei precisar se sonhei ou vivenciei aquelas cenas... Mas a essa altura da história, achas mesmo que isso seja relevante?
Eram criaturas vivazes, pareciam estar se preparando para alguma festividade. Depois confirmei minhas suspeitas: realmente estavam às vésperas de um festival importante para a Cultura deles chamado Aesttera.
Acompanhei em simultâneo o preparo do banquete e das vestimentas, como se estivesse fragmentada e pudesse estar onipresente em diversas cenas. O salão do banquete estava repleto de bandejas e copos com formatos peculiares, frutas secas dispostas em uma mesa vasta e havia jarras e jarras preenchidas com um líquido espesso da cor de um vinho bordô. As vestimentas eram semelhantes às roupas de época, como se eu tivesse sido transportado para algum momento importante do século XVII.
As crianças, risonhas e ávidas por aventuras, divertiam-se com um objeto oval. Depois, compreendi ser uma flor, cujas pétalas eram retiradas uma a uma por diferentes crianças, sempre passando para a próxima a cada retirada. Parecia uma roleta-russa com objetivo menos mórbido, mas igualmente estranho. Creio que o intuito era descobrir algo no interior dela, mas não pude compreender o quê. O que havia dentro daquela flor peculiar?
Foi quando o senti.
Deslizando sob aquela população excêntrica, percebi a presença de um coelho humanoide, de pelos negros e olhos de um vermelho neon intenso. Foi o único que me viu — não apenas olhou, mas viu. Seu olhar inquisidor parecia desnudar os recônditos da minha alma e, por um instante, me senti indefesa de novo, como se estivesse em um lugar inóspito, além daquele festival. Não ousei dirigir-lhe a palavra. Algo dentro de mim sussurrava que ele já sabia tudo sobre mim.
A névoa densa na mente obscureceu minha visão por um tempo, e quando recuperei o foco, ele estava mais perto. Muito mais perto. Seu sorriso, largo e imóvel, era mais do que uma expressão impassível — era uma fenda pictórica escancarada na própria realidade. Ele ria de mim? Seus dedos longos e rígidos tilintavam ao menor movimento, e só então percebi a horrível verdade: Seus membros eram feitos de ossos humanos, meticulosamente montados, encaixados e articulados como se tivessem sido esculpidos para ele. Seu tórax era uma jaula de costelas humanas, entrelaçadas como grades, e dentro dela algo pulsava, algo que não era dele. Algo vivo. Algo humano. Algo que me olhava de volta. Era eu.
Quis correr. Juro que tentei.
Mas, quando dei o primeiro passo para trás, ele sorriu ainda mais. E dessa vez, o sorriso não estava apenas no rosto.
Estava em todos os lugares.
Me invadindo.
Me modelando.
Descontruindo em
Fragmentos que não se pode reaver.
Acordei(?). Me vi no meu quarto no Castelo Drácula, só podia ser um sonho. Não é?! Olhos amarelos vieram cautelosos em minha direção e, quando pensei em gritar, reconheci Lisa, que me olhava assustada, como se soubesse dos flagelos que passei.
***
Os olhos vermelhos luminosos daquela criatura infernal ainda me observam, persistentes, assombrando não só minhas noites, mas também meus dias. Nunca se aproxima, apenas espreita, sempre à espreita.
Ouço o bater do coração dele — que é o meu rosto — os ossos fazem sons como se rangidos de dentes ferozes estraçalhassem uma presa.
Eu não devia ter tomado aquele chá de maçã. Havia algo nele… algo além do doce aconchegante, algo oculto sob o sabor acolhedor. Algo que agora me consome!
E desde então não encontrei mais a Ameritt. Era mesmo ela?!!!

Ao adentrar o Castelo Drácula, a protagonista é envolta por uma realidade onde arte e loucura se entrelaçam. Cada pincelada em sua tela não apenas expressa emoções, mas também convoca entidades que desafiam sua sanidade. Neste ambiente gótico e onírico, ela confronta traumas passados e descobre que a linha entre o real e o imaginário é tênue. Uma jornada introspectiva que revela os abismos da mente humana e os segredos ocultos nas sombras do castelo. » Leia todos os capítulos.

Michelle S. Nascimento
Michelle Santos Nascimento é paulistana, mãe, esposa e amante das artes, em todas as suas formas de expressão, desde que aprendeu que há todo um universo fora dela. Ama as ciências humanas, mas também tem predileção pelas exatas, porquanto é graduada em “Segurança da informação”, pós-graduada em “Gestão de TI” e “Engenharia de software” e trabalha como Analista de qualidade de software... » leia mais

Esta obra foi publicada e registrada na 15ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de abril de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.
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