O Mensageiro do Último Dia e Lovecraft
Imagem da Web editada por Sahra Melihssa, para o Castelo Drácula
O filme O Mensageiro do Último Dia (2020) é inspirado na HQ The Empty Man, criada por Cullen Bunn e Vanesa R. Del Rey. A trama gira em torno de uma misteriosa seita que venera uma entidade sobrenatural conhecida como "Empty Man", capaz de se propagar através dos pensamentos humanos. A narrativa mistura elementos de terror psicológico, investigação e ocultismo, explorando como ideias perigosas podem ser espalhadas como um vírus, contaminando as mentes das pessoas e corrompendo a realidade à medida que se infiltram no imaginário.
Além da temática sobrenatural, O Mensageiro do Último Dia constrói, através do protagonista, camadas psicológicas que o conduzem a um desfecho inevitável. A trama gira em torno de uma seita que cultua uma entidade misteriosa, desejosa de se manifestar na Terra por meio de um hospedeiro perfeito.
Sob a perspectiva de Fred Botting (2024), observamos uma nuance dos elementos do gótico, que celebram a transgressão dos limites e das normas, projetando temores e fantasias culturais. Aqui, o culto a Nyarlathotep encarna essa transgressão: a fusão entre o sagrado e o profano, o humano e o inominável.
Conseguimos observar nesta entidade uma referência tênue com Nyarlathotep, uma das criaturas do panteão de Lovecraft. No entanto, por trás do enredo de horror cósmico, o filme lança uma crítica sutil, mas contundente, sobre o poder destrutivo das crenças extremas.
Ao longo da história, vemos como a ação desta entidade na mente das pessoas leva indivíduos a cometer atos violentos, inclusive o suicídio, mesmo que coagido, uma possível alusão a como determinadas ideologias ou cultos podem se tornar profundamente nocivos à saúde mental e à vida das pessoas envolvidas. Estes ritos nos evocam o caráter perturbador das seitas lovecraftianas, onde o horror não está apenas no monstro, mas na devoção fanática de seus seguidores.
O filme inicia com um prólogo que não traz os personagens principais, mas que mostra seu significado com o decorrer da trama. Depois, vemos o desenrolar do enredo principal com o desaparecimento de uma adolescente em uma pequena cidade dos Estados Unidos. Um ex-policial de sobrenome La Sombra, que já carrega em seu nome um vislumbre do que está por vir, começa a investigar o caso. Ele descobre o grupo que cultua a entidade sobrenatural conhecida como "Empty Man", em português “O Mensageiro do Último Dia", que pode ser invocada mediante um ritual macabro. À medida que ele mergulha na investigação, o protagonista é confrontado com alucinações e a sensação de ser vigiado a todo tempo.
No poema em prosa de Lovecraft, Nyarlathotep, um indivíduo relata sobre a chegada desta entidade à Terra e como o mundo se tornou seu reinado macabro. No imaginário de H. P. Lovecraft, Nyarlathotep é um tipo de mensageiro dos deuses extradimensionais. Este é um ser que caminha entre os mortais, trazendo revelações proibidas e incitando rituais estranhos. Da mesma forma, no filme, O Mensageiro surge, mas com a necessidade de ter um receptáculo para recebê-lo, reunindo seguidores em cultos que fazem os preparos para a sua chegada.
Ao final, O Mensageiro não é apenas um simples arauto, mas uma construção objetiva. Temos uma representação sob as crises internas dos personagens: culpa, desejo reprimido e o medo. O pesquisador Gilbert Durand conceitua estes aspectos do imaginário humano como parte do Regime Noturno simbólico da imagem, uma configuração simbólica que luta para impedir a ação da queda, da morte e do tempo.
O culto íntimo ao medo, ao desejo reprimido e à culpa ressoa com a teoria de Durand. O Mensageiro, por este viés, opera como um arquétipo da sombra e, levando em consideração o inconsciente coletivo, de acordo com Jung (2021), o imaginário também pode ser observado como prefiguração dos arquétipos presentes no inconsciente.
O Mensageiro é Nyarlathotep por ser aquele que transita entre mundos, não para guiar à luz, mas para revelar o que foi recalcado no inconsciente individual e coletivo, representando, nas palavras de Jung, a sombra, este aspecto psíquico que reúne tudo aquilo que o ego rejeita e reprime, mas que permanece ativo na psique em seu lado negativo. Sua presença desestabiliza a linearidade racional e confronta o protagonista e os adeptos com o que Durand chamaria de uma imaginação dominada pela angústia, onde o sagrado e o monstruoso se confundem. Logo, este culto a uma divindade antiga pode espelhar o culto que cada um de nós faz aos próprios temores.
REFERÊNCIAS:
BOTTING, Fred. Gótico: Tradução de Marina Sena. Sebo Clepsidra. 2024.
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à arquetipologia geral I Gilbert Durand,tradução Hélder Godinho. – 4° ed. - São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.
JUNG, C. O Homem e seus Símbolos; Translation of Maria Lucia Pinho. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 2021.

Júlia Trevas
Júlia Graziela Pereira Trevas é uma escritora de 29 anos, natural de Campina Grande, Paraíba. Formada em Letras - Inglês pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), também atua como professora de inglês. Sua paixão pela escrita começou ainda na pré-adolescência, quando compunha pequenos versos. Mais tarde, ao ingressar na faculdade, aprofundou-se na literatura gótica, que hoje é uma de suas principais influências criativas. Uma curiosidade interessante é que... » leia mais

Esta obra foi publicada e registrada na 17ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de junho de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.
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