Ao Vivo com o Diabo: O Talk Show Mais Sombrio da TV em "Entrevista com o Demônio"

Imagem da web

Dirigido por Cameron Cairnes e Colin Cairnes, com 1h35m de duração, Entrevista com o Demônio promete um terror inspirado na televisão dos anos 70. No estilo found footage, o filme australiano estrelado por David Dastmalchian é uma verdadeira viagem no tempo.

A trama se desenrola como um documentário fictício, investigando um episódio obscuro que aconteceu ao vivo em um famoso talk show de 1977. O especial de Halloween do Corujão com Jack Delroy – esse era o nome do programa – tinha uma missão clara: recuperar a audiência e ultrapassar o maior concorrente da época, o Tonight Show com Johnny Carson. Mas até onde um apresentador estaria disposto a ir em nome da fama e do sucesso?

Para mergulhar nessa história, é preciso entender que este não é um filme de sustos fáceis ou terror convencional. Seu horror é profundamente psicológico, construído na atmosfera e nas entrelinhas. Aqui, não há jump scares ou trilhas sonoras abruptas. Em vez disso, o longa aposta em uma sensação de desconforto crescente, revelando pistas sobre o passado sombrio de Delroy – um possível envolvimento com um misterioso acampamento para homens ricos e influentes, onde algo sinistro pode ter acontecido. Na noite de Halloween, os segredos começam a vir à tona e a pergunta se impõe: Delroy sabia no que estava se metendo ou foi apenas uma marionete em um jogo muito maior?

Ao vivo, na frente das câmeras, um cético, um médium, uma parapsicóloga e uma jovem possuída se reúnem no palco para o que deveria ser apenas mais um espetáculo televisivo. Mas o que se desenrola diante do público é algo que foge do controle. O filme entrega cenas de horror gráfico (gore) e uma recriação impecável da estética dos anos 70. Se ele assusta? Talvez não da maneira esperada. Mas se há algo que o torna memorável, é a combinação entre a atmosfera sinistra e as atuações afiadas. A história em si é repleta de clichês, mas, curiosamente, isso não a torna menos hipnótica.

Em alguns momentos, as cenas chegam a ser cômicas, mas o desconforto cresce gradualmente, até que a história se desenrola de maneira caótica. Há um ponto em que tudo fica meio insano, e, embora as respostas possam ser deduzidas, nada é completamente claro. O filme deixa um mistério no ar, o que, de certa forma, contribui para a experiência do espectador, abrindo espaço para a interpretação e a imaginação.

Ainda assim, tive a impressão de que o desfecho poderia ter sido mais pausado, explorando melhor as visões que levaram o protagonista a agir como agiu. A conexão entre esses momentos e o documentário fictício, que serve de moldura para a narrativa, poderia ter sido mais bem amarrada. No final, o filme parece esquecer um pouco a própria premissa – como exatamente esses eventos se registraram no tal documentário?

Apesar dessas questões, não me arrependo de ter assistido. Não foi um filme que pesou na mente ou causou pesadelos, mas o simples fato de nos transportar tão bem para os anos 70 e construir um bom terror psicológico já faz valer a pena. Pessoas que apreciam filmes "duvidosos", aqueles que à primeira vista parecem estranhos ou promissores de forma incerta, provavelmente vão gostar dessa obra. Eu mesma sou atraída por esse tipo de filme – aqueles que fazem você pensar "Isso deve ser péssimo", mas no fim surpreendem.

A verdade é que esse filme me fez pensar: se eu estivesse frente a frente com o próprio Diabo, será que teria coragem de perguntar alguma coisa? Ou será que ele, com seu jogo de palavras e manipulação, me convenceria de que as respostas não importam? Ou que eu mesma não sei das perguntas que desejo? No fim, talvez seja essa a verdadeira essência do terror: não o que vemos, mas aquilo que nos deixamos acreditar.

Texto publicado na Edição 13 da Revista Castelo Drácula. Datado de fevereiro de 2025. → Ler edição completa

Leia mais em “Resenhas”:

Sahra Melihssa

Poeta, Escritora e Sonurista, formada em Psicologia Fenomenológica-Existencial e autora dos livros “Sonetos Múrmuros” e “Sete Abismos”. Sahra Melihssa é a Anfitriã do projeto Castelo Drácula e sua literatura é intensa, obscura, sensual e lírica. De estilo clássico, vocábulo ornamental e lapidado, beleza literária lânguida e de essência núrida, a poeta dedica-se à escrita há mais de 20 anos. N’alcova de seu erotismo, explora o frenesi da dor e do prazer, do amor e da melancolia; envolvendo seus leitores em um imersivo, e por vezes sombrio, deleite. A sua arte é o seu pertencente recôndito e, nele, a autora se permite inebriar-se em sua própria, e única, literatura.

https://castelodracula.com/membros/sahramelihssa
Anterior
Anterior

A Face Encarnada do Medo

Próximo
Próximo

Flor da Morte