Delírio Azul

Imagem criada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula, com Midjourney
Hoje o luar está sereno, porém com um fenecimento visível, como quem dá razão ao meu padecer. Sei que isso se dá pelo fato de eu ter perdido aquele para a morte. Uma música triste pode tocar no interno dos meus ouvidos — aquela música que nós ouvimos aqui mesmo nesta pilastra onde estou sutilmente encostada.
A lua tem um tom cobalto ao seu redor e está imersa nas alturas, como se flutuasse num céu em tom marinho. As nuvens passeiam vagarosas e provocativas, me fazendo flutuar em pensamentos que são suficientes para que a primeira lágrima caia dos meus olhos.
Quando a minha lágrima cai, a doce e rouca voz sussurra em minha mente:
“Vês, estimada Nathállia, o céu azul. As nuvens passeiam claras e pacientes, enquanto a lua ilumina e nos encoraja a amar.”
Suspiro forte, ao ponto de sentir o meu vestido vitoriano apertando firme o meu busto. Por que não estás, Pierre? Por que não estás mais? A sua morte me dói, convidando-me, também, a fenecer com ele.
Lembro-me das manhãs em que ele me despertava da janela barroca do meu quarto, das tardes em que íamos tomar um banho de rio, escondidos, sem nunca nos tocarmos. E a noite? Era aqui mesmo onde admirávamos a tal lua. Lua maldita — me faz lembrar dele toda vez em que ela surge. Esse anil do luar é o que mais me mata. Anil é a cor que Pierre usava nos bailes onde valsamos por saudosos anos.
De tanto refletir na dor dessa perda, encosto a minha cabeça na pilastra e sento-me na baixa balaustrada, quando sinto em meu ombro a suave mão, a tão carinhosa mão... Será Pierre? Sorrio. Sorrio e olho para trás, mas é apenas a candura de Marta, que vem me recolher do grande pátio.
— Senhorita, precisa descansar. — Marta me acaricia o ombro, de maneira carinhosa. — Eu sinto em lhe dizer: O jovem Pierre não vem. Ele não vai voltar, senhorita.
Marta sabe que nas noites de lua sempre venho o esperar... sempre. Engulo seco e quando quase me conformo, a enfrento:
— Ele vai voltar, sim! Nem que eu precise morrer para encontrar-me com ele. Nem que eu finja que ele está aqui. Nem que eu sonhe com ele todas as noites. — Caminhamos até o meu quarto enquanto me perco no que eu digo. — Ele era o meu melhor amigo, ele era mais que um amigo, ele era...
— O seu amor, não era? — Pergunta sorrindo leve.
— Era não. É. Pierre É o meu amor! E sempre vai ser.
Deito-me, como a única alternativa.
— A senhorita não vai se trocar? Vestir um damanoute para dormir...
— Não quero. Eu quero dormir assim, do jeito que eu costumava ficar na presença dele.
Marta não diz mais nada. Pede licença e se retira do meu quarto. Do meu dossel, a maldita lua, a bendita lua, lumiando o meu quarto e me trazendo a sensação de estar sendo tocada por Pierre. Sim, eu o sinto. E posso ouvir a sua voz grave e serena agora.
“Estou aqui, minha estimada Nathállia. Eu sempre estarei aqui no gélido anoitecer e no azul do luar. Estarei vertendo em tua face, junto às tuas lágrimas azuis que vertem agora.”
Constato dois fatos: eu enlouqueci e consegui acessar o mundo do outro lado onde o meu eterno estimado está. O seu corpo é esbelto, forte e, vestido em trajes clássicas, ele me segura contra o seu torso, acarinhando-me a face e os cabelos. E o frio da noite nos faz ficarmos mui próximos e aquecidos, envoltos aos lençóis do meu espaçoso dossel.
ASelenoor que acontece na região é raro. E é isso que me conforta. Porque a noite é perpétua, bem como a lua tão anil que me proporciona o melhor delírio real com o meu Pierre, e que nunca mais irá se findar.
Leia mais contos:
Acordou em um sobressalto, o coração anunciando que o perigo estava à espreita. Mais uma vez aquele estranho sonho, pesadelo. Outra vez…
Numa manhã escura de novembro, muito fria e de constante chuvisqueiro, após o término da missa, que aquele apaixonado casal frequentava…
“Escuta-me”, disse o Demônio, pousando sua mão sobre minha cabeça. “A terra de que te falo é uma terra lúgubre na Líbia, às margens do rio Zaire. E ali, não há quietude…
O relato impressionante do inestimável amigo Capitão João ressoou no seu subconsciente como uma ancestral canção arcana, esquecida…
Agachada sob a sombra crepuscular, olhei e vi um ancião cujos olhos exaustos caiavam seu espírito perverso; o que, se por mim fosse evidente…
Desperto sobre um chão asséptico, duramente frio, cheirando a desinfectante recém-passado. Sento-me devagar, estou desorientado…
A densa floresta acastanhada, honrava um outono etéreo e silente. Uma atmosfera enevoada, do mesmo tom borgonha…
38 minutos de leitura
Noutros tempos, quem a conhecera ainda na flor da juventude jamais diria que tal pessoa pudesse chegar a uma situação tão degradante…
Antemanhã de lua cheia, lôbrega em névoa rubra. Outono e decadência, a morte encíclica brinda, hoje ou amanhã, a todos os que residem no…
O solitário castiçal iluminava as cartas sobre a escrivaninha. Sua luz trêmula projetava…
Era quase madrugada, e o alvoroço na casa da rua não cessava. Henrique pegou a arma que guardava no cofre e caminhou até a janela…
Certamente, não era o melhor lugar do mundo para se estar. Contudo, também não se poderia dizer que era o pior antro de perdição já existente…
Acordou num sobressalto. Os sonhos pareciam vívidos. Arturo não descansava…
A profissão de sommelier de vinhos lhe proporcionava cada vez mais satisfação. Os clientes pediam bastante por vinhos…
Tinha uma bruxa na lua... | Eu sei, | Eu vi. | Subia, ao fim da rua, num ruído verdejante de poeira... poeira de livro velho. | Pó de cravo, sálvia do inverno…
Acordei com o som das engrenagens daquele maldito relógio que ressoa em minha mente. O barulho ensurdecedor que nunca cessa não é…
Estou diferente. Não sei dizer exatamente o que, mas estou. As interações com o ambiente parecem ter adquirido novas roupagens…
Olhos de pútrida esperança; entre o frígido derredor, onde as mãos do insondável inverno conduzem a pequenez de seres irrisórios. Ela se aproxima…
Nas pequenas cidadelas e nos ermos lugarejos onde o tempo parece ter parado e a modernidade ainda não se fez presente, onde as formas de…
Como de costume, ela caminhava sozinha pelos corredores do castelo, seus longos cabelos negros reluzindo com um brilho…
Abria os relicários das casas em que entrava, remexia fotografias e roubava pedaços de carta. Amaria tanto o mar... e quão bela era a Macedônia!…
Vestiu-se, apressada, do manto grosseiro rumo ao ôco do inverno. Cavalarias, praguejos, convites de funeral… o inferno a incendiar os céus!…
Ismael viveu toda a sua vida intimamente com o medo, que era seu melhor amigo, amante e confidente. Sentia-se perseguido a todo momento…
Certa noite, enquanto as notas cítricas de um vinho chileno me aqueciam, recebi um e-mail de um velho amigo. Após lê-lo, fiquei feliz e respondi que…
— A arte, querida Bella, requer vida e morte, tu sabes… — Bellanna pretendia argumentar, todavia, Dhiego aumentou seu tom de voz ao notar que seria interrompido…
Uma criatura de agoníria atravessara o portal obsidia; foi contida por Somníria dentre as densas nuvens alvililáses, todavia, em sua força sombria…
Quando me aproximei daquelas ruínas, imaginei que encontraria destroços de um outrora sombrio, objetos deteriorados pelo tempo e, talvez, segredos…
Aquele inverno estava rigoroso. O ar gélido açoitava, sem escrúpulos, a face dos transeuntes e endurecia os seus corações, já embrutecidos…
O convite chegou sorrateiro. Cartão negro, emoldurado por pétalas banhadas a ouro, letras cursivas que pareciam dançar no papel, anunciando que…

Nascida em um outono, na capital da Bahia, cresci em uma família que me proporcionou muito incentivo ao estudo e à cultura de qualidade. É por isso que sou uma pessoa que ama a leitura, o conhecimento, a escrita e outras áreas artísticas. Minha paixão pela arte faz aprofundar-me nela. Enfim, sou alguém com uma sensibilidade aflorada; aprendi a lidar com situações com muita humanidade, senso e responsabilidade. Sou livre de convenções e de preconceitos.
Escrevo esta carta porque devo explicações aos meus familiares e queridos amigos, já que sumi há anos e, decerto, sou dada como morta…