Delírio Azul
Hoje o luar está sereno, porém com um fenecimento visível, como quem dá razão ao meu padecer. Sei que isso se dá pelo fato de eu ter perdido aquele para a morte. Uma música triste pode tocar no interno dos meus ouvidos — aquela música que nós ouvimos aqui mesmo nesta pilastra onde estou sutilmente encostada.
A lua tem um tom cobalto ao seu redor e está imersa nas alturas, como se flutuasse num céu em tom marinho. As nuvens passeiam vagarosas e provocativas, me fazendo flutuar em pensamentos que são suficientes para que a primeira lágrima caia dos meus olhos.
Quando a minha lágrima cai, a doce e rouca voz sussurra em minha mente:
“Vês, estimada Nathállia, o céu azul. As nuvens passeiam claras e pacientes, enquanto a lua ilumina e nos encoraja a amar.”
Suspiro forte, ao ponto de sentir o meu vestido vitoriano apertando firme o meu busto. Por que não estás, Pierre? Por que não estás mais? A sua morte me dói, convidando-me, também, a fenecer com ele.
Lembro-me das manhãs em que ele me despertava da janela barroca do meu quarto, das tardes em que íamos tomar um banho de rio, escondidos, sem nunca nos tocarmos. E a noite? Era aqui mesmo onde admirávamos a tal lua. Lua maldita — me faz lembrar dele toda vez em que ela surge. Esse anil do luar é o que mais me mata. Anil é a cor que Pierre usava nos bailes onde valsamos por saudosos anos.
De tanto refletir na dor dessa perda, encosto a minha cabeça na pilastra e sento-me na baixa balaustrada, quando sinto em meu ombro a suave mão, a tão carinhosa mão... Será Pierre? Sorrio. Sorrio e olho para trás, mas é apenas a candura de Marta, que vem me recolher do grande pátio.
— Senhorita, precisa descansar. — Marta me acaricia o ombro, de maneira carinhosa. — Eu sinto em lhe dizer: O jovem Pierre não vem. Ele não vai voltar, senhorita.
Marta sabe que nas noites de lua sempre venho o esperar... sempre. Engulo seco e quando quase me conformo, a enfrento:
— Ele vai voltar, sim! Nem que eu precise morrer para encontrar-me com ele. Nem que eu finja que ele está aqui. Nem que eu sonhe com ele todas as noites. — Caminhamos até o meu quarto enquanto me perco no que eu digo. — Ele era o meu melhor amigo, ele era mais que um amigo, ele era...
— O seu amor, não era? — Pergunta sorrindo leve.
— Era não. É. Pierre É o meu amor! E sempre vai ser.
Deito-me, como a única alternativa.
— A senhorita não vai se trocar? Vestir um damanoute para dormir...
— Não quero. Eu quero dormir assim, do jeito que eu costumava ficar na presença dele.
Marta não diz mais nada. Pede licença e se retira do meu quarto. Do meu dossel, a maldita lua, a bendita lua, lumiando o meu quarto e me trazendo a sensação de estar sendo tocada por Pierre. Sim, eu o sinto. E posso ouvir a sua voz grave e serena agora.
“Estou aqui, minha estimada Nathállia. Eu sempre estarei aqui no gélido anoitecer e no azul do luar. Estarei vertendo em tua face, junto às tuas lágrimas azuis que vertem agora.”
Constato dois fatos: eu enlouqueci e consegui acessar o mundo do outro lado onde o meu eterno estimado está. O seu corpo é esbelto, forte e, vestido em trajes clássicas, ele me segura contra o seu torso, acarinhando-me a face e os cabelos. E o frio da noite nos faz ficarmos mui próximos e aquecidos, envoltos aos lençóis do meu espaçoso dossel.
ASelenoor que acontece na região é raro. E é isso que me conforta. Porque a noite é perpétua, bem como a lua tão anil que me proporciona o melhor delírio real com o meu Pierre, e que nunca mais irá se findar.
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