Imagem criada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula, com Midjourney

É inevitável negar a mudança em mim. Não somente mais bonita e sagaz, mas mais inspirada também. Sinto meu corpo tão frio e ao mesmo tempo tão vivo. Sei que beira a insanidade, mas me delicio com cada gesto que faço ou toque que sinto em minha pele. A sensibilidade é imensa e igualmente prazerosa, fato esse que me manteve ocupada com Malus, explorando as novas sensações e necessidades.

Tenho sonhado com mais frequência, mesmo acordada. Alucinada, talvez. Suponho que tenha alguma ligação com o sangue azul de outrora. Mas não há sobre o que me queixar. O Conde Drácula me deu as boas-vindas pessoalmente. Um tanto fantasmagórico, concordo, mas foi uma noite memorável. Sedutor, cordial e erudito como ninguém, me fez ansiar por colocar no papel as palavras que imploram por saírem de mim.

Não sei dizer quanto tempo faz que não escrevo em meu diário, meu pobre amigo que por diversas vezes foi testemunha das minhas alegrias e tristezas. Provavelmente deve ter sido descartado após minha partida. Ainda absorta em lembranças, apanho meu novo companheiro de escrita, deixado por Malus como presente em minha escrivaninha, e começo o registro de minha jornada até aqui.

Poderia lamentar a perda de meus antigos poemas, mas a memória é uma dádiva, eis que deixo aqui um dos primeiros que escrevi, enquanto me deslumbrava com a Lua de Sangue.

Seu brilho mortal
Enche minha alma de esperança.
Nas noites
Você reina,
Solitária e autoritária,
Radiante, pálida e fria.
Como desejei ser como você,
Com inigualável beleza,
Lua de Sangue.

Muito eu ouvi falar do paraíso. De como as pessoas almejam ir para lá. Cá onde estou é deveras temido e amaldiçoado pelos tolos que de longe avistam. Mas o que diria minha mãe ao me ver plena, dona do meu próprio ser, como nunca antes? O que diriam os imbecis que zombaram de mim e que tanto fizeram, mas é o inferno que está destinado a eles? Ah, as palavras... saltam de meu interior em busca de morada nas páginas em branco... eu cedo a elas.

Dançando em harmonia, sensações e desejos percorrem o papel. Sussurros e sombras oscilam em meus aposentos. Poesias fluem, ecoam nas paredes frias e famintas deste castelo e eu as sinto se deliciarem junto a mim.

Texto publicado na 4ª edição de publicações do Castelo Drácula. Datado de abril de 2024. → Ler edição completa

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