Capítulo 2: Bon Vivant
Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula
— Nunca me imaginei sujando as minhas mãos com o sangue de ninguém. Mas desta vez, eu não podia permitir a continuidade do descaso, e também a minha ausência neste evento que, eu já sabia, entraria para a história da minha tão ferida e amada França.
Valentine tentou se erguer, mas a dor era lancinante. Recaiu sobre a relva úmida, os olhos fixos no céu que escurecia lentamente. Sua mente vagava pela vida que tinha deixado para trás.
— Não nego, contudo, que havia em mim também o Bon Vivant. Oh, quantas noites se esvaíram entre os risos fáceis dos companheiros de copo, o calor do vinho generoso e a busca incessante pela beleza fugaz, fosse ela nos salões iluminados ou nas alcovas discretas? Havia um prazer quase estrutural em tentar decifrar a alma feminina, em perseguir a linha perfeita de um ombro desnudo, a curva enigmática de um sorriso. A vida simples me atraía, sim, mas os círculos elegantes exerciam sobre mim seu fascínio perene.
— Fazia pouco tempo o meu despertar pela política. Sabia que, eu não podia continuar a me enganar com a minha medíocre vida. Ir à luta era mais que necessário. E tudo isto não era somente por um pão a mais.
Sua última lembrança era de Robespierre discursando. O homem do Artois, com suas palavras inflamadas, fora a fagulha final que o levara às barricadas. Valentine riu amargamente. O que Robespierre diria agora, vendo-o sangrando sozinho em uma floresta, enquanto a revolução seguia seu curso sem ele?
— A França gemia. O Terceiro Estado, nossa pretensa voz, era um joguete nas mãos dos poderosos, marginalizado e silenciado. A aventura na guerra americana, um sonho de liberdade alheia, deixara nossos cofres exauridos. As colheitas minguavam sob um céu inclementes. A miséria, como uma lepra, alastrava-se pelas ruas outrora orgulhosas.
A escuridão começava a tomar conta não apenas do céu, mas também de sua visão. Valentine sabia que seus momentos estavam contados. Que ironia, pensou, morrer em anonimato quando sonhara construir monumentos que durariam séculos com seu nome gravado na pedra.
— Foi por falta de uma justa representatividade política; pela vergonhosa dilapidação dos cofres públicos, devido à participação da nossa nação na Guerra de Independência dos Estados Unidos — fornecendo homens e suprimentos, somadas às péssimas colheitas ocorridas naqueles últimos anos, que suportar aquela situação não era mais possível.
A situação tornara-se insustentável. E então, marchamos. Homens, e mulheres também – ah, a visão daquelas cidadãs, uma determinação indômita no olhar, marchando lado a lado conosco, foi das mais belas e terríveis que meus olhos contemplaram —, todos irmanados por uma causa que nos parecia maior que a própria vida. A tarde do dia 14... foi gloriosa, não há dúvida, um daqueles instantes raros em que a história parece curvar-se ante a vontade de um povo unido.

Carlos Conrado
Carlos Conrado nasceu na Bahia e hoje vive em São Paulo. Suas formações estão em Designer, Publicidade e Psicanálise. Escritor, ilustrador e poeta, um amante do soturno inspirado em grandes nomes, os quais: Álvares de Azevedo, Lord Byron, Edgar Allan Poe, Baudelaire, entre outros. Identifica-se, portanto, “como um ‘neo simbolista’, colocando o cosmos como meu principal tema de expressão”. Seu livro “Os Segredos da Maçã” está disponível... » leia mais

Esta obra foi publicada e registrada na 16ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de maio de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.
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