Noite na Taverna e o Gótico Brasileiro: Reflexões entre Alcoolismo, Desejo, Paixão e Originalidade na Literatura

Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula

Alvares de Azevedo, com sua obra Noite na Taverna, estabelece um diálogo profundo com os princípios do gótico literário, não apenas em sua atmosfera sombria e decadente, mas também na maneira como reflete as tensões sociais de seu tempo. Publicado em 1855, o livro vai além da simples imitação de modelos europeus ao incorporar questões como o alcoolismo, a alienação, o desejo, o medo, a paixão pela liberdade, características de uma juventude romântica brasileira tanto da classe burguesa quanto de classes econômicas mais baixas, confrontada com um contexto de transição e incertezas. 

A atmosfera gótica e os dilemas sociais  

A taverna, espaço central da narrativa, é um lugar de excessos onde o vinho conduz os narradores a relatar histórias permeadas por tragédia e destruição. A representação do alcoolismo e da embriaguez em Noite na Taverna não é meramente decorativa, mas uma metáfora para a alienação e o escapismo de uma geração romântica frustrada. Como afirma França em Poéticas do Mal: a literatura do medo no Brasil, os excessos retratados em narrativas góticas brasileiras refletem uma juventude que muitas vezes se viam às margens de um contexto político e social que não oferecia espaço para seus ideais. Esse escapismo por meio do álcool, aliado ao ambiente sombrio da taverna, é uma crítica velada a uma sociedade que sufocava a busca por uma liberdade cultural e econômica. 

Por outro lado, os temas da paixão e do desejo são tratados por Azevedo com um misto de fascínio e ironia. Em histórias que oscilam entre o erotismo e o grotesco, como a narrativa de Bertram, o autor apresenta relações marcadas pela destrutividade, evidenciando uma visão trágica do amor que se aproxima do gótico europeu, mas que também ressoa com uma moralidade em crise no Brasil oitocentista. O amor em Noite na Taverna é fugaz, violento e muitas vezes fatal, refletindo a fragilidade das instituições sociais e do próprio indivíduo. 

O desejo de liberdade e a crítica à tradição  

Além disso, o desejo de liberdade permeia toda a obra, seja nas aventuras desregradas de seus personagens ou na rebeldia estética de Azevedo contra as normas literárias de sua época. Essa liberdade, no entanto, é constantemente confrontada pelo peso das consequências trágicas, reforçando a dualidade entre o ideal e a realidade, característica fundamental do gótico. Assim, Azevedo contribui para a formação de um gótico brasileiro que, mesmo inspirado em autores como Byron e Hoffmann, dialoga com as inquietações de seu tempo e espaço. 

Contrariando as críticas literárias que veem Noite na Taverna apenas como uma cópia do gótico europeu, é fundamental reconhecer que, como França (2022) argumenta em Poéticas do Mal: a literatura do medo no Brasil, a literatura do medo no Brasil não é uma mera reprodução, mas um campo fértil onde elementos locais e universais se entrelaçam, por meio de várias autoras e autores brasileiros. Esse entrelaçamento permite a coexistência de escritores que abordam questões mais regionais com aqueles que exploram reflexões de caráter mais universalistas. Azevedo se insere na segunda vertente, utilizando o gótico como uma ferramenta para discutir dilemas existenciais e globais, mas sem jamais se desligar totalmente do contexto brasileiro. 

Originalidade na Literatura de Azevedo  

A acusação de cópia frequentemente desconsidera que todo autor é, em maior ou menor medida, influenciado por tradições literárias. No caso de Azevedo, suas inspirações europeias são reinterpretadas à luz de sua realidade. A atmosfera decadente de Noite na Taverna, por exemplo, é permeada por um senso de tropicalidade melancólica, que, embora não explicitamente regional, não pode ser dissociada da psique de um jovem autor brasileiro do século XIX. Essa abordagem, ao invés de diminuir a obra, a insere em uma tradição estética literária global que reflete sobre as angústias humanas em diferentes contextos. 

Assim, Noite na Taverna merece ser lida como um marco do gótico brasileiro, uma obra que, ao integrar questões universais como a paixão e o desejo de liberdade com tensões sociais como o alcoolismo e a alienação, apresenta uma profundidade que vai além de imitações superficiais. A crítica literária, portanto, precisa revisitar esse texto com a abertura necessária para reconhecer sua complexidade e relevância no panorama literário brasileiro e internacional. 

Texto publicado na Edição 11 - Somníria, do Castelo Drácula. Datado de dezembro de 2024. → Ler edição completa

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