Jardim da Morte
Na penumbra de um jardim oculto, úmido e sombrio, onde não existe tempo, onde todas as coisas sempre estão perto de findar, porém nunca se extinguem; onde as flores eternamente exalam seu perfume como suspiros finais e os raios de uma lua cheia incomum derramam-se pálidos sobre a relva, uma mulher está sentada esperando. Os animais que lá estão já não podem ser diferenciados dos objetos que compõem aquele cenário, pouco se movem e mal fazem ruídos, parecem apenas aguardar, se ouve apenas o sussurro inquietante do vento, como se fosse um eco dos lamentos dos que se foram. Uma ceifadora, envolta com sua capa negra como uma mortalha, chega e se senta de frente à mulher em uma mesa de mármore gasta, com fissuras e imperfeições. A mulher, que aparenta estar habituada a toda aquela encenação, inicia a conversa:
— Vamos jogar xadrez desta vez?
A ceifadora responde com uma voz calma:
— Hoje não, deixarei você escolher.
A mulher, imersa em seus pensamentos, lembra-se que em vida era boa com cartas:
— Vamos jogar carteado dessa vez, nesse eu sou boa. — Murmura ela, com uma pontada de esperança de que dessa vez iria ganhar.
A ceifadora pega sua maleta, um artefato antigo coberto de runas estranhas, e tira um baralho tarô. As cartas, gastas pelo tempo, são embaralhadas com um ranger sinistro.
— Sério? Você vai ler meu futuro? — A mulher pergunta, com um riso nervoso. — Estou morta, não tenho um futuro.
— Apenas vamos jogar e ver o que pode acontecer. — Responde a ceifadora.
Com habilidade ela segura as cartas como se fosse um leque e olha para a mulher: — Tire uma carta, para que se dê início ao jogo.
A mulher olha a ceifadora com dúvida e pergunta:
— O que isso significa? Normalmente você é quem escolhe o jogo e é a mais falante e agora fica nesse silêncio e me pede para escolher uma carta? — A mulher dá mais um riso nervoso — Não era esse tipo de jogo que eu estava falando, há algo que eu preciso saber?
A ceifadora suspira e olha para a mulher:
— Há certas regras aqui no Sheol que não posso burlar, porém há outras que algumas pessoas que estão fora dele podem. E é isso que estou fazendo agora, fazendo um favor a um conhecido que pode burlar essas regras. Então apenas escolha a carta.
A mulher fita as cartas com uma mistura de temor e esperança. Sem saber muito bem o que esperar. A mulher tirou uma carta do leque e entregou à ceifadora que sorriu e mostrou a ela a carta.
— Ótimo, la roue de fortune. — Cantarola a ceifadora numa pronúncia perfeita e musical — A roda da fortuna.
— E isso significa que? — A mulher pergunta curiosa.
A ceifadora sorriu para ela, segurou as mãos da mulher e falou:
— Essa carta significa o ciclo da vida e com ela irei dar a você a oportunidade de ver a sua amada, pois eu sei que isso que passa pela sua cabeça o tempo inteiro, não é?
— Sim, isso passa pela minha cabeça sempre, falo sobre ela para você o tempo todo, mas se ela tiver que morrer para que isso ocorra eu prefiro não a ver.
A ceifadora falou: — Nesse momento ela está num local envolto em magia, num local de vivos, mortos e não tão mortos — a mulher arregalou os olhos — Calma, ela está viva e consciente, é claro — disse a ceifadora acalmando a mulher — Então será possível que vocês tenham um breve encontro, nesse exato momento, então aproveite.
— Eu tenho que ir? — A mulher fez uma careta.
— Oras, mas é claro, estou te dando a oportunidade de encontrar a sua amada em um lugar além dos véus da morte. Só aproveite, nem todos têm a chance de reencontrar os que perderam.
— Isso meio que parece uma pegadinha — diz a mulher ainda em dúvida.
— Oras, querida, apenas vamos, não há muito o que se fazer aqui no Sheol, um passeio fora irá ser bom para você, e não se preocupe, estarei por perto para te trazer de volta. — A ceifeira se levanta sorrindo e segura a mão da mulher — Então, vamos?
A mulher fecha os olhos e inspira profundamente e solta o ar por hábito:
— Sim, vamos, não é sempre que algo diferente ocorre nesse lugar.
E assim, uma porta roxa, adornada de arabescos prateados nas bordas envolta em uma névoa púrpura se materializou, a mulher e a ceifadora desaparecem daquele jardim incomum, deixando para trás apenas o eco de suas palavras e as cartas sobre a mesa.
Valesca nasceu no Rio de Janeiro (RJ), cursa Ciências Biológicas, encontra-se no último período. Tem paixão por ciências, subcultura gótica, livros, seres sobrenaturais, ficção científica, cemitérios, igrejas e morcegos, ela também é voluntária em um projeto de divulgação científica chamado "Morcegos na Praça". Escrevia com frequência, mas afastou-se da prática ao ingressar na faculdade. No entanto, durante a pandemia, retomou a escrita como meio de…
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