O suntuoso baile das máscaras negras

Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula

O convite chegou sorrateiro. Cartão negro, emoldurado por pétalas banhadas a ouro, letras cursivas que pareciam dançar no papel, anunciando que o baile seria o acontecimento mais importante de suas vidas. Não ousariam declinar. Quem enviou tal convite? Não importava. Como todos da alta sociedade foram convidados, o anfitrião certamente era um homem de estilo refinado. Presumiram ser um homem, somente um homem poderia ter e despender tanta fortuna em uma única noite.

Os preparativos foram imediatamente iniciados: os senhores com seus alfaiates; as senhoras com as estilistas, todos artistas renomados de seus tempos. Precisavam estar impecáveis, para eles não bastava ser rico, tinham que parecer ser milionários.

O grande dia chegou. Estavam cansados e ansiosos, pois o sono não havia encontrado morada em seus corpos. Noite em claro conferindo os pormenores, cada detalhe em seus trajes era crucial. Confirmação e reconfirmação de agendamento com os profissionais que ajustariam os cabelos, peles, unhas, os necromaquiadores — daquelas pessoas que andavam, respiravam, mas não viviam — deveriam ser perfeitos em suas tarefas. Aqueles nobres não aceitariam nenhum erro, nenhum deslize.

Chegaram pontualmente à mansão. Estavam a postos todos os membros da elite daquela cidade sem nome, enfileirados como pilastras adornando as portas do céu. Os portais abriram-se, revelando as belezas do local. Adentraram tal qual os pioneiros de uma terra virgem e fértil, cientes de que, se fosse preciso, a violariam para apaziguar seus prazeres mais profundos.

À recepção receberam máscaras suntuosas, negras e com os mesmos entalhes banhado a ouro, conferindo-lhes ares de seres etéreos. 

O salão era grandioso, com um teto abobadado decorado por lustres de cristal gigantes que refletiam a luz suave em tons dourados por todo o ambiente. As paredes eram revestidas de painéis negros com detalhes em dourado esculpido, criando um contraste opulento e sofisticado.

O chão de mármore black piano com veios dourados, impecavelmente polido, refletia a iluminação suave das velas em castiçais imponentes de ouro. No centro do salão, mesas redondas estavam cobertas com toalhas de veludo vermelho e decoradas com arranjos de flores exóticas, e taças feitas de ouro puro e cristal lapidado, cintilavam com elegância sob a luz. Os talheres eram de prata com detalhes em ouro, e os pratos possuíam bordas decoradas com padrões barrocos dourados.

No ar, uma música clássica orquestrada ecoava suavemente, completando a aura suntuosa do local.

Garçons impecavelmente trajados circulavam oferecendo champanhes das melhores safras, enquanto sobremesas decoradas com folha de ouro descansam em bandejas reluzentes.

Uma pista de dança espelhada convidava-os a dançar sob uma chuva de luzes, tornando o ambiente ainda mais mágico e luxuoso, iluminando os sorrisos plásticos, cuja expressão inerte fora fixada mediante adoração do deus da estética. 

O banquete foi servido, porém o anfitrião ainda permanecia insondável, enigmático, sob o véu taciturno que sua máscara lhe conferia. Banhavam-se nas taças dos vinhos e champanhes, envolvidos por todo aquele luxo exacerbado. Finalmente eram os senhores de si, finalmente haviam recebido o tratamento de que eram merecedores.

Em meio ao gozo, provindo do prazer etílico e carnal, dançavam, riam e agradeciam ao anfitrião, que somente assentia com leve aceno de cabeça. Não souberam precisar, mas em determinado momento as luzes douradas foram transmutando-se em marrom, negras.

O local, antes repleto de luxo, agora preenchia-se com uma pressão atmosférica lúgubre, mas não paravam de dançar. Os pés calejados não se atreveriam a parar. Os sorrisos plásticos não seriam desmontados. Continuaram, até que o anfitrião cansado daquela mesmice, resolveu interferir e anunciou que o tour pela mansão seria iniciado.

A mansão parecia crescer a cada passo. Um corredor infinito e implacável à frente. O anfitrião anunciou que cada um deles tinha um quarto ali, decorado conforme seus desejos mais profundos.

A primeira porta se abriu. Parecia um quarto medieval. No centro, havia uma banheira coberta de sangue das vítimas, jovens inocentes esmagadas e pisoteadas por uma mulher impassível, a dona daquele aposento. A condessa foi convidada a entrar. Não ousaria recusar. Entrou. A porta cerrou-se violentamente. Ouviram os gritos e souberam que os flagelos causados por ela seriam revividos para a eternidade.

Os seus pecados bateram à porta, cada um soube o que lhes aguardava. Ao avistarem seus destinos, alguns tentaram correr, mas os olhos da máscara que traziam em suas faces acederam-se em chamas. Tentaram arrancá-la, mas ela parecia fundir-se à pele, como se tivesse criado raízes em seus crânios. Gritavam, mas o som era abafado — a máscara sufocava, fechando-se ao redor da boca e nariz como uma viseira maldita. As chamas se espalharam, queimando a carne, mas sem consumi-la completamente, deixando marcas escuras e pulsantes que pareciam veias malignas. A pele fervia tal qual um vulcão em plena atividade. As bordas das máscaras começaram a se mover, como se fossem mandíbulas esmagando lentamente os ossos do crânio. O som era horrível. Rangidos ecoavam pelo salão, misturados com os gritos abafados. O sangue escorria pelas aberturas da máscara, enquanto os olhos dos algozes eram expelidos para fora, explodindo em um jorro grotesco.

Os outros convidados observavam, horrorizados e quietos. Os corpos dos que tentaram fugir, por fim, desabaram, mas as máscaras permaneceram flutuando no ar. Todos ficaram silentes, agora sabiam que não poderiam fugir daquele local.

As portas foram abrindo-se, uma a uma, e revelando os mais criativos instrumentos e formas de torturas, todas advindas daquelas mentes privilegiadas e merecedoras de todos os luxos que aquele inferno premium poderia propiciar-lhes.

Texto publicado na Edição 12 da Revista Castelo Drácula. Datado de janeiro de 2025. Ler edição completa

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