O Último Blackwood e a Sombra de Lilith
Imagem criada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula
Sete. O número ecoava no sótão empoeirado, onde a luz morria antes de alcançar os recantos mais profundos. Sete batidas secas do relógio de pêndulo, cada uma um prego enferrujado fincado no caixão da esperança. Não que houvesse muita esperança por ali. A velha mansão dos Blackwood era um monumento à decadência, suas janelas como olhos vazios fitando a noite eterna que parecia ter se enraizado em seus alicerces.
E eu, Alaric, o último dos Blackwood, era um mero apêndice, um espectro que perambulava por corredores infestados de ecos. Meus dias eram preenchidos com o sussurro de vozes que nunca existiram, o farfalhar de sedas fantasmas e o som distante de um piano que ninguém tocava. Meu único consolo, se é que se pode chamar assim, era a coleção de livros proibidos, volumes encadernados em pele humana e tinta de sangue, que meu pai, em sua loucura final, reuniu no pequeno escritório trancado.
Foi numa noite como tantas outras, quando a lua se escondia atrás de um véu de nuvens pesadas e o vento uivava como um cão faminto, que o selo se quebrou. Não um selo físico, mas a barreira tênue entre o que era e o que deveria ter permanecido esquecido. Eu lia um tomo empoeirado, suas páginas amareladas cheirando a mofo e morte, quando um nome saltou aos meus olhos, gravado em uma caligrafia serpentina: Lilith.
O nome vibrou no ar, uma nota dissonante na sinfonia silenciosa da casa. Uma imagem se formou em minha mente: uma mulher etérea, com cabelos cor de ébano e olhos tão profundos quanto os abismos do inferno, envolta em um véu de mistério e perdição. Lilith. A rainha da noite, a primeira tentação, a sombra que persegue os sonhos dos homens.
Minha respiração engasgou na garganta. Eu conhecia o mito, as lendas sussurradas em cantos escuros. Mas aquilo... aquilo não era uma lenda. Era uma evocação. Meu pai, em sua busca insana por conhecimento, havia ido longe demais. Ele não apenas lera sobre as entidades que habitavam o limiar da realidade; ele as convocara.
Com um arrepio que me percorreu a espinha, percebi que o silêncio da casa não era mais o silêncio da ausência, mas o silêncio da observação. A escuridão não era mais apenas a ausência de luz, mas uma presença palpável, respirando em meu pescoço.
As sombras dançaram nas paredes, projetando formas grotescas que se retorciam e se contorciam, como almas condenadas. O cheiro de rosas murchas e terra revolvida invadiu o ar, misturando-se ao odor metálico de sangue antigo. E então, ouvi-a. Não uma voz audível, mas um sussurro que se infiltrava em minha mente, ecoando meus pensamentos mais sombrios, os segredos que eu guardava de mim mesmo.
— Alaric... — ela sibilou, e o som era como o farfalhar de asas de morcego em um sepulcro. — Você me chamou. Eu vim.
Meus olhos se fixaram na porta do escritório, que agora estava entreaberta, revelando uma escuridão ainda mais densa em seu interior. De lá, emergiu uma figura. Não a etérea Lilith de minha imaginação, mas algo muito mais antigo e terrível. Uma silhueta esguia, envolta em um manto que parecia feito da própria noite, seus olhos brilhando como brasas no inferno.
Ela não caminhava; ela deslizava, como uma nuvem de fumaça, em direção a mim. O ar ao seu redor parecia vibrar com uma energia profana, e o frio que emanava dela era tão intenso que parecia queimar minha pele.
— O que você deseja, Alaric Blackwood? — sua voz, agora mais clara, era um cântico fúnebre, sedutor e letal. — A vida que você conhece está morrendo. Eu posso oferecer outra. Um reino onde as sombras reinam supremas, onde a dor é êxtase e a eternidade é um fardo a ser carregado.
Eu recuei, meus pés enraizados no chão empoeirado, um terror gélido me paralisando. Eu havia brincado com o desconhecido, e agora o desconhecido estava ali, em minha sala, me oferecendo uma escolha que eu não queria fazer.
O silêncio voltou, denso e pesado, enquanto ela aguardava minha resposta. O relógio de pêndulo, lá no sótão, batia a oitava hora. Cada batida, um passo dela em minha direção. Cada batida, uma porta se fechando para o mundo que eu conhecia.
A mansão Blackwood nunca mais seria a mesma. E eu, Alaric, sabia que meu destino estava selado. Nas profundezas daquela noite sem fim, eu estava prestes a descobrir o verdadeiro significado de "nunca mais".
O que você acha que Alaric fará? Ele aceitará a oferta de Lilith ou tentará resistir à escuridão que o cerca?
Revisão de Sahra Melihssa

Bruno Reallyme
Bruno Reallyme nasceu em 1995, em Governador Valadares, e escreve como quem atravessa véus entre mundos. Autor de poesias, romances, suspenses, terrores, ficções científicas e HQs, espalhou suas criações por antologias nacionais e internacionais, além de comandar o podcast Pingo de Prosa e ser finalista do Prêmio Literário Caneta Vip. Colunista da Genius Vip Revista e curador de Horrores de um Brasil Esquecido, inspira-se em nomes como Pessoa, Poe, Lovecraft, Cecília Meireles e García Márquez, criando narrativas densas e sensoriais que revelam, nos detalhes, o que olhos comuns não percebem.

Esta obra foi publicada e registrada na 18ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de agosto de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa
A morte caminhava ao meu lado. Espreitava em cada corredor por onde eu passava. Morei nesta mansão desde o nascimento e, ainda assim, o lugar guardava…