Ecos do brejo noturno
(Ler preferencialmente ao som de Moonlight Sonata de Beethoven)
Caminho hesitante pelo brejo, onde infinitos sons se desprendem e se libertam na atmosfera densa. Consigo distinguir os sapos, que coaxam suas lamúrias de maneira langorosa e melancólica. Pererecas frenéticas ecoam em uníssono, como se compusessem para uma orquestra infernal, emitindo sons curtos e nervosos. Eles se mesclam iniquamente ao ruído de outro animal. Este emite um único, espaçado e funéreo clangor, como se estivesse tocando uma trompa de forma insistente, uma canção de morte e horror que anuncia o meu fim cada vez mais próximo. Mais ao longe, outro grupo de anfíbios copula em meio a esses barulhos, numa intrincada profusão de toadas insidiosos. Sinto-me exausta de caminhar por dentre esta sonata impura. Sem realmente ouvir nada, meus passos parecem destoar desta composição funérea.
Oh, criaturas lúgubres de sangue frio! Não posso vê-las todas, mas sinto seus olhares úmidos sobre a minha pele, que se torna fria e eriçada. Meu coração acelera, ansioso e acovardado; o sinto arder em meu peito. O som ininterrupto, monótono e irritante destes anfíbios persiste. Com as pupilas dilatadas, busco desesperadamente adaptar-me à escuridão, tentando, ao mesmo tempo, evitar ver estes seres asquerosos e abjetos que aqui habitam. Algo se move sob a água; eu vi, tenho certeza. Ou talvez seja apenas o afundar das minhas botas na lama, perturbando um frágil equilíbrio que não quer ser incomodado, alertando sobre minha intrusão nesse ambiente inóspito e alterando a putrefação das folhas que se acumulam no chão.
Um cheiro de podridão e morte invade minhas narinas nauseadas, mas vejo inúmeras plantas verdejantes. Elas formam campos extensos e úmidos. No solo profundo e encharcado, suas raízes se entrelaçam e compartilham segredos de tempos imemoriais; juncos amaldiçoados se propagam até onde meus olhos não conseguem mais ver e balançam a favor do vento frio, desdenhosos e altivos. Até eles parecem me observar e formar um dueto penetrante de ares gélidos. Metade do meu corpo está mergulhado nesse pântano. Minhas sensações são incertas. Não sei se calço botas; meus ossos congelam a cada passo, e tenho que reunir todas as minguadas forças para desatolar meu estafado pé do profundo lodo. Raízes vivas e tenazes penetram meus poros, numa união pecaminosa, onde o verde mancha o meu sangue derramado.
Minha mente luta. Os braços já estão lacerados, mas ainda assim as mãos agarram a folhagem cortante, tentando usá-la para resgatar-me dessas sensações lodosas. Todos estes lamentos insistentes confundem minha mente. Será o coaxar dos anfíbios ou o cantar do vento por entre as folhas? Fazem-me querer deitar sobre o verde, a lama, os galhos, os ossos, a pele e o sangue, deixando que o tempo infinito cubra todo o meu frágil corpo com mais folhas podres e, finalmente, minhas carnes se afundem neste solo conspurcado.
É então que posso ouvir um cântico longínquo, vindo das profundezas desse pântano escuro, onde os fachos lunares mal penetram a densa névoa. Não se trata apenas da união de sons animalescos. São vozes que repetem o meu nome:
— Anika! Anika! Anika!
Não vêm da direita ou da esquerda. Surgem sob o meu corpo, que jaz deitado. Agora, com o ouvido encostado ao frio solo, posso ouvir o crescer lento e nocivo das raízes; ouço seus gemidos surdos. Sussurram o meu nome, atraindo-me para as suas moradas. Quantas vítimas ressoam misturadas ao silêncio das raízes crescendo por dentre as águas e atravessando seus corpos? Será que hoje ainda irei sonhar com lua? Que saudade tenho de seus raios prateados que não poderei mais sentir banhar a minha pele.
Condenei-me a viver entre paredes de concreto e pedra fria, quando minha mente queria fugir para as florestas, admirar a altura das árvores…