A Travessia

Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula
Sob o manto escuro da noite, eu a vejo,
uma ponte feita de ossos e madeira antiga.
Ela desperta com o som de trovões,
um caminho que chama meu nome na escuridão.
O vento me envolve como se estivesse vivo,
meus segredos rasgam meu peito querendo sair.
Cada passo me corta como uma lâmina,
e a luz dos raios revelam minhas feridas que fingi esquecer.
As tábuas rangem sob meu arrependimento,
como se confessassem meus pecados ao infinito.
A chuva cai, não como uma benção, mas como sentença,
lavando meu rosto com lágrimas que não derramei.
Diante de mim, formas se erguem na penumbra,
amores que destruí, promessas que quebrei,
rostos que banhei com indiferença quase mortal.
Agora me encaram, famintos por respostas.
A cada passou que dou, a ponte me consome,
meu fôlego se perde em meio aos murmúrios.
O Universo ri zombando de minha fraqueza,
e eu, frágil, encaro verdades que não posso fugir.
Ao fim, o abismo me espera, escancarado,
mas não há queda, apenas um cruel silêncio.
Deixo parte de mim naquela maldita travessia,
um pedaço de mim que nunca irei buscar.
Quando eu olho para trás, a ponte some,
engolida pela noite e sua escuridão eterna.
Eu sigo em frente, mas não sou o mesmo,
pois agora carrego o peso do que sempre fui.
Texto publicado na Edição 13 da Revista Castelo Drácula. Datado de fevereiro de 2025. → Ler edição completa
Residente de Dom Pedrito/RS, Cláudio Borba formou-se em Contabilidade e escreve contos de terror e poemas geralmente melancólicos. Ele faz parte de diversas antologias de contos e poéticas de diversas editoras. E atualmente trabalha para lançar seus livros de contos e poemas. Cláudio se inspira em Stephen King e Clive Barker em seus contos, e é um grande fã de Bukowski. A escrita do autor é direta, rápida e de fácil leitura. Escreve escutando metal,…
Leia mais em “Poesias”:
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Saudosa alma silente e melancólica, | Efêmeros ocasos: meu langor… | No onírico resido e quão simbólica | A vida é n’esta gênese do alvor…
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Corria o sangue feito rio, | Manchado pela ferrugem de um machado amolado. | Era uma dançarina, uma dionisíaca, | Uma sacerdotisa…
Repartir as flores, espanar o mármore… | adornar aquele nome, | ofuscado na poeira. | Dar, ao ontem, um regalo…
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Mais uma foto que meu peito agita… | E tudo o que fazia, agora, estanco. | Imagemxuberante, tão bonita… | De cores vivas (mesmo em preto e branco)…
É o medo de nadar no lago, | e afundar no raso, | e morrer sem ar. | É o medo de inundar o peito, de fôlego e de amor, | E findar no nada, | e, no oco do inferno…
Coragem, amor, | pois a vida é ligeira em inundar o que vem vazio. | Cobre-te de ouro e falsa seda, | protege-te do espinho e perderá, também…
A chama comia papel — desordenada, a mando maior —, | Rasgaram livro na praça, | Devoraram à mocidade, também…
Adentro no mor lôbrego Castelo | Tal corpo em algor mortis, tão mordaz… | Soturno a mim murmura sobre um elo | Dest’alma condenada que me faz;…
Pelas facetas da solidão, meus passos enveredavam em uma dança extasiada. | O toque do vento, por vezes, era a única caricia que restava;…
A mais caudalosa turbulência, | a rebeldia que transportava espumas | para o colo do barco, | fazia surgir o medo constante | de conhecer o fundo…
Nos ermos turvos, sob a névoa espessa, | Engrenam-se os dias num ciclo enferrujado, | corações de cogs, reluzindo em pressa, |
pulsam mecânicos num tempo quebrado…
Definha’s estruturas obra inacabada | Abalada em si pela agonia | Bela torre bradava ao céu alada | Babel em momento de alegria…
O que sou senão um mero errante, | Um grão de areia à beira de um abismo, | Um mero sussurro em um tempo vacilante, | Moldado em pranto, pó e sofismo?…
Melíflua, te entorpeças no sonhar; | Visões de horror e encanto surgirão | E salva na tu’angústia vais estar | Enquanto lamentar teu coração;…
Qual luz de fim de tarde em triste inverno | (Deixando escuro e frio o alvor de outrora), | Assim vi teus vestígios indo embora | Pra longe e aquecendo um corpo inverso…
Tinha uma bruxa na lua... | Eu sei, | Eu vi. | Subia, ao fim da rua, num ruído verdejante de poeira... poeira de livro velho. | Pó de cravo, sálvia do inverno…
Temer tornar-se póstuma poeta | Amarga-me a ponto d’um malfeito: | Tirar d’um literato a sua costela | E pô-la, ensanguentada, no meu peito…
Enquanto no convés observava | Revolto o mar estranho parecia, | A negra tempestade se agravava, | Um som horripilante s’espargia…