A Simbologia da Morte no conto A Máscara da Morte Vermelha de Edgar Allan Poe
Pintura “A morte da Virgem” por Michelangelo Caravaggio (1571-1610)
Edgar Allan Poe (1809 – 1849) é um dos expoentes do romantismo norte-americano, cuja obra deixou marca decisiva na literatura gótica, no conto policial e na poesia. Nascido em Boston, ficou órfão ainda criança e foi criado por um mercador de boas condições, de quem herdou o sobrenome. Faleceu em Baltimore no ano de 1849, sofrendo de delírios e a causa de sua morte é até hoje um mistério. Seus poemas e contos, como “O Corvo” e “A Máscara da Morte Vermelha” inserem-se na segunda geração do Romantismo do século XIX, distinguindo-se pelo tom sombrio, pela exploração da psicologia do medo e pela atmosfera de decadência que se tornou característica de sua produção literária.
Encontramos referências recorrentes à morte na obra de Edgar Allan Poe, muitas vezes atravessadas por elementos sobrenaturais e simbólicos. O próprio autor afirma que, para ele, este é o tema mais melancólico para ser abordado (POE, 2019, p.65). Em poemas como “O Corvo”, o autor retrata a dor do luto e a insistência da ausência como uma presença constante na vida do eu lírico, enquanto em “Annabel Lee”, a morte surge como força trágica e inevitável, capaz de romper até os laços mais profundos do amor. Em ambos os textos, a morte não é apenas um fim biológico, mas um abismo emocional e metafísico que assombra o imaginário humano.
Tal temor é exemplarmente retratado no conto “A Máscara da Morte Vermelha”, no qual Edgar Allan Poe constrói uma alegoria sobre a inevitabilidade da morte. No conto, diante de uma praga devastadora, uma enfermidade fulminante que conduz suas vítimas à hemorragia fatal por todos os poros, o príncipe Próspero decide isolar-se de seu povo em uma abadia fortificada construída a seu gosto, levando consigo um grupo de mil amigos. Afastando-se do sofrimento coletivo, eles entregam-se a uma vida suntuosa de excessos completamente trancados, numa atmosfera de alienação deliberada à realidade da peste. O castelo, espaço de aparente segurança e opulência, torna-se símbolo da tentativa vã de escapar da morte.
É válido observar como, no conto, estabelece-se uma negação da morte que contrasta diretamente com a elaboração do luto presente nos poemas anteriormente mencionados, nos quais o eu lírico já se encontra imerso na dor da perda. Em “A Máscara da Morte Vermelha”, por outro lado, a figura do príncipe Próspero encarna uma tentativa desesperada de escapar da finitude, recusando-se a aceitar a iminência do fim. Recolhido em seu castelo ao lado de uma elite hedonista, o príncipe promove festas grandiosas como forma de silenciar o terror exterior. No entanto, a morte adentra esse espaço de aparente segurança como um intruso inevitável: sua chegada, em meio ao baile, assume a forma de um convidado mórbido, envolto em uma mortalha salpicada de sangue, cuja aparência cadavérica evoca não apenas a doença, mas a própria materialização do destino inescapável.
O som do relógio de ébano, que ressoava com solenidade a cada badalada, funcionava como um prenúncio do inevitável: a morte que, cedo ou tarde, alcançaria a todos. O sangue, elemento recorrente na narrativa, simboliza o sofrimento inescapável que espreita mesmo os que se acreditam protegidos. Nenhuma muralha é capaz de conter o destino comum à existência humana, e o conto deixa claro que o isolamento não garante salvação. A Morte Vermelha, apesar das tentativas de reclusão, irrompe no castelo e conduz um a um a sua ruína, sendo o príncipe Próspero o primeiro a morrer.
O conto também oferece uma leitura simbólica da morte em vida, ao denunciar, de forma alegórica, o comportamento alienado e insensível das elites diante do sofrimento coletivo. O isolamento do príncipe Próspero e de seus convidados, enquanto a população do lado de fora agoniza sob o avanço da peste, representa uma tentativa de negação não apenas da morte, mas também da responsabilidade social. Essa escolha de se recolher em celebrações contínuas, regadas a excessos e luxúria, revela um hedonismo decadente que escancara a desconexão entre as camadas privilegiadas e a realidade brutal enfrentada pelos demais.
Essa representação do fenômeno da morte não se resume a uma simples fascinação mórbida. Como observa Botting, ao comentar o poema The Grave (1743), de Robert Blair, a contemplação da morte revela-se como um exercício de consciência sobre a efemeridade da existência e a transitoriedade de todas as coisas. Trata-se, portanto, de uma reflexão sobre os limites da vida e a presença constante do fim como parte constitutiva da experiência humana, levando que guia até caminhos da espiritualidade (BOTTING, 2024, p. 41).
Poe consegue elaborar este simbolismo nictomófico ao representar a passagem do tempo com o relógio de ébano que causa nervosismo em cada uma de suas badaladas. O salão de veludo representa a morte vermelha, enquanto os outros salões representam a fuga dos cortesões e do príncipe. O sétimo salão fica cada vez mais escuro e o escuro é um elemento que geralmente assombra a mente, como afirma Durand (2012).
Dada a imagem da morte como representação máxima do terror humano, no conto “A Máscara da Morte Vermelha”, ainda persiste em Próspero uma centelha de esperança pela vida, mesmo que suas ações revelem traços de egoísmo e alienação. Esta nuance evidencia como, diante da própria finitude, o ser humano pode tender a lançar mão de todos os recursos possíveis para tentar escapar deste fim. No entanto, a morte sempre triunfa, como também é simbolicamente retratado no filme O Sétimo Selo (1957), de Ingmar Bergman, no qual um cavaleiro desafia a morte em uma partida de xadrez, numa tentativa desesperada de adiar seu fim. A metáfora do jogo e da máscara vermelha reforçam a ideia de que, por mais que se lute contra a morte, ela permanece invencível.
REFERÊNCIAS:
BOTTING, Fred. Gótico: Tradução de Marina Sena. Sebo Clepsidra. 2024. p.41
POE, E. A. (1809-1849). Contos de imaginação e mistério: Edgar Allan Poe; prefácio de Charles Baudelaire; tradução de Cássio Arantes Leite. Tordesilhas. 2012.
POE, Edgar Allan; PESSOA, Fernando; ASSIS, Machado de. O Corvo. Companhia das Letras, 2019. p. 65

Júlia Trevas
Júlia Graziela Pereira Trevas é uma escritora de 29 anos, natural de Campina Grande, Paraíba. Formada em Letras - Inglês pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), também atua como professora de inglês. Sua paixão pela escrita começou ainda na pré-adolescência, quando compunha pequenos versos. Mais tarde, ao ingressar na faculdade, aprofundou-se na literatura gótica, que hoje é uma de suas principais influências criativas. Uma curiosidade interessante é que... » leia mais

Esta obra foi publicada e registrada na 16ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de maio de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.
Edgar Allan Poe não foi apenas o Mestre da Literatura Gótica…