Ao abrir meus olhos, já estava amarrado… Punho e canelas; uma cinta atravessada no colo… tiras que me prendiam naquilo que parecia uma cadeira médica, de confortável estofado e inclinação horizontal. A cabeça fui então perceber que também não movia: estava fixa entre alguma chapa que a extremava…
Que miséria de situação era aquela? Por alguns segundos tentando responder a isso, vi também que estava num lugar nada iluminado, sendo a luz do ambiente gerada por um fino borrão de energia bem acima da minha cabeça. Ao meu lado (pelo que conseguia enxergar), um armário com quatro gavetas, e sua parte de cima, lisa, sem objetos, como se recém adquirido e colocado ali para enfeitar…
Era um sonho o que se passava?...
Buscando fazer forças para retornar ao estado de vigília — coisa que sempre funcionava —, o que sucedeu foi um clarão instantâneo vindo de alguma fonte desconhecida naquela sala, aumentando um pouco a iluminação, antes fraquíssima… Meus olhos, direcionados involuntariamente para a frente e tendo dificuldade para captar qualquer imagem, eram impossibilitados de buscar o que quer que fosse por conta da prisão imposta pela chapa de aço — como passara a julgar aquele maciço acessório ao redor da cabeça. Eu começava a me desesperar. Sem poder mexer braços e pernas, a vulnerabilidade em relação a alguma ameaça ao meu redor — certamente ali presente, talvez me observando — era o que me preocupava…
(Em qual filme eu havia visto isso?...)
De repente, um barulho de porta! Mas não uma porta qualquer, e sim de matéria pesada, estrondosa, fazendo eco até meus ouvidos e impulsionando o medo que já me consumia. Lutando com forças já abatidas, para tentar virar um pouco meu rosto — melhor dizendo, meus olhos — e enxergar a origem daquele arrastado barulho, foi quando notei o reflexo da luz sobre curiosa aparelhagem…
Por certo que era uma espécie de furadeira… porém, sem um habitual suporte para o manuseio de mão. Aquilo era suspenso pelo que parecia um carrinho, quadrado e enorme (sobre rodas, talvez), coberto por um pano branco e deixando de fora apenas o “pescoço” metálico da estrutura, terminando naquela furadeira julgada assim por mim. Na sua ponta, a visão do que me amedrontava e passava a ser o motivo de minhas desesperadas súplicas por alguma explicação…
— O que tá acontecendo aqui?! O que vão fazer com essa agulha?! O que foi que eu fiz?!
Não recebendo respostas para meus questionamentos nada animadores, o que sucedia era a lenta aproximação do mecanismo à minha lateral… Ouvi somente quando aquele “carrinho” parou, travando consigo toda minha agitação anterior causada pelas minhas irrespondidas perguntas e o peso daquela engrenagem deslizando pela sala. Ao mover meus olhos ao máximo que eu me esforçava, tive a certeza de que seria posto à prova no enfrentamento daquela inominável tortura…
Fora de cogitação tentar enumerar todos os sentimentos horríveis ao ver aquela finíssima agulha direcionada para meu rosto. “Finíssima” nem é bem a palavra: o que aquilo parecia era um gume ou seja lá o que fosse, um fio metálico na forma de alongado espeto, sendo possível até mesmo observar seu interior redondo a partir daquela minúscula extremidade… — e tudo aquilo virado para mim, inerme, o que só me fazia sentir ser um alvo infeliz e já condenado por aquela criminosa mente…
Afinal, quem estava por trás daquilo?
Eu lacrimejava como nunca antes ao perceber a sombra daquela agulha adentrando a concavidade do meu olho direito… Suplicava aos céus, à bondade interior daquele engenheiro oculto, à possibilidade de meus futuros dias na Terra… A máquina não recuava… E foi somente ao sentir o arrepio involuntário, defensivo das minhas pálpebras diante daquele corpo estranho, que tudo parou.
Tendo sobre minhas órbitas aquele frio atacante, prestes a acabar com minha visão — e talvez com minha vida! —, eu recuperava a fala na medida do possível, esboçando uma tentativa de agradecimento à tamanha piedade... No entanto, superando todas as más surpresas anteriores, naquele mesmo instante eu era novamente surpreendido por um raio de luz, surgindo agora no outro lado da sala e através de uma imensa porta…
Vi que a mente por trás daquela tortura me conhecia, só podia ser… Era alguém consciente dos meus passos, dos meus gostos, das minhas preferências. Aquele ou aquela que operava a terrível máquina que eu temia, que se transformara em palpável pesadelo — eu não despertava! —, era um agente testando a minha sanidade, recorrendo agora ao pior dos momentos nunca antes imaginados por mim…
Coitada… Culpa ela tinha de estar ali? Amarrada da mesma forma que eu, atada àquela imobilidade covarde, invasora de seu corpo e, o pior, ameaçando-a com aquela tortura que poderia…
Meu peito dilacerava. Chamava para mim novamente a ponta daquele carrinho horripilante…
— Traz isso aqui!!! Vira pra cá!!! Não bota isso na frente dela!!!
Meus gritos não bastavam, não surtiam efeito. Dando as costas para o meu rosto, a furadeira-carrinho-agulha, aquela maldição engendrada por torpe consciência, seguia rumo próprio em direção a ela, potencial vítima do que momentos antes eu passara…
Meus batimentos cardíacos como que disparavam; o suor em meu corpo despejava… Não era eu o refém de ameaçadora máquina, mas era como se fosse. Temia a dor que percorreria um corpo alheio e ensaiava em mim o fenecimento de uma valiosa vida…
Passei a delirar sobre a cadeira em que me via amarrado. Arrancos sobre-humanos eu procurava gerar, crendo numa força mitológica que me fizesse capaz de arrebentar o aparato que me prendia e chegasse ao resgate daquela mulher no outro lado da sala… Um ato heróico, no mais clichê dos sentidos: a única opção.
Nada... nada parecia conter a ameaça… Inimaginável angústia; incontrolado furor; incalculável sentimento de impotência… Clamar para o fim daquela desgraça de nada valia. E os gritos… os gritos começaram…
Agudos e perfuradores, os gritos dela me destruíam por dentro e por fora. Meus pulsos, esmagados por aquelas fivelas, rebentavam de fúria, esgoelavam-se na tentativa de me livrar da cadeira. Os gritos dela… agudos… Sentir aquela agulha tomar posse do meu olho, fincar em minha retina, vazar o que ali continha… Suportaria tudo no lugar dela, ainda que não pudesse a ver mais…
A chave para livrá-la daquele sofrimento; uma resposta que comiserasse o administrador daquele jogo… O que mais eu poderia dizer que interrompesse aquela tortura física e… autoral?
Com restos de exasperadas, derradeiras forças, recorri então à frase mais sincera que poderia crer dita:
— Por favor, os olhos da Musa não!!!...

Castelo Drácula

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