Tempos Difíceis te dão o Blues

Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula
Tempos difíceis são cantados
“Há muitas maneiras de se ter o blues. Tempos difíceis te dão o blues."
Blues.¹
A vida é se jogar de um parapeito sobre um copo d’água para sentir o tamanho do frescor do pomo da discórdia.
O mundo parido em infinito vazio.
Mas a encruzilhada cheira à vida, os espíritos se atravessam e surgem nas sombras com gaitas e violões. Uma dama se destaca como rainha dos condenados, de cantos agudos, “Come on and baby, baby”², soltando seu blues enquanto palmas ritmadas acompanham as batidas dos corações. E a força das negras reparte esse pomo maldito. Competem com o mais infinito barulho do vazio. Agora chove na encruzilhada, não há mais vida seca, o chão é sem dono, voar sem paraquedas, porque todos dançam, todos sentem, é da rainha que surge o blues da dor do infinito, do que não pode ser dito, a quem não foi chorado.
Ali, na encruzilhada as almas se cruzam e o blues é livre.
A ninfa frenética se joga, se abandona. Reconhece que seu corpo já não mais lhe pertence, está intimamente ligada ao blues. Vê as cordas tinirem de sofrimento, pois diz algo, a mente atende o corpo responde.
Tempos Difíceis São Cantados. No blues o silêncio do amor ecoa pelas cordas. A voz da bela dona de branco deleitando o surdo amor, as mãos calejadas, os guetos escuros.
Na encruzilhada as respostas não são postas em grafia, não há estudo ou modernidade — onde impera o blues não há grau de profissão. Os junkes sentem o corpo obedecer ao chamado dos jans e se entortam como cobra no bote, o espírito procura uma cura, uma magia e só no blues as encontra.
“Oh, sente-se lá, oh, conte aqueles pingos de chuva... Vais sentir-se apenas como aqueles pingos de chuva, quando eles estão caindo, querida, a toda sua volta.”³
¹ Blues é referência a um documentário de mesmo nome.
² ³ Músicas de Jannis Joplin.
Texto publicado na Edição 10 - Aborom, do Castelo Drácula. Datado de outubro de 2024. → Ler edição completa
Leia mais em “Prosa Poética”:
Um poeta sentado escrevendo. Cenário que mescle contemporâneo e vintage (pode ser até um apartamento, prédio…
Adormecerás, sol. Darás quietude ao horizonte. Aquece, enquanto isso, o corpo frágil de minha nímia tristura. Ancestral, traga-me a esperança para o…
A matéria que suavemente vela o meu corpo, fora feita da suprema energia que permeia o universo. Sou um navegante do tempo a brindar com esferas…
Condenei-me a viver entre paredes de concreto e pedra fria, quando minha mente queria fugir para as florestas, admirar a altura das árvores…
Toda fotografia é uma imagem que carrega o espectral: a morte. O instante fotografado jamais será vivido novamente; assim jaz um tempo que passou…
Ando pelo único caminho que se atravessa na neblina cinza. Preciso chegar; devo estar atrasado. Inóspito. Inseguro. Lanço dúzias de preces e continuo…
Observo da janela o vazio lá fora; tudo está abandonado, assim como eu aqui dentro. O silêncio é preenchido apenas pelo sussurro do vento…
Perdida na confusão dos meus pensamentos, me encontro prostrada nas ruínas da minha própria existência. Em um receptáculo onde os raios…
A vida é se jogar de um parapeito sobre um copo d’água para sentir o tamanho do frescor do pomo da discórdia. O mundo parido em infinito vazio…
Caminho hesitante pelo brejo, onde infinitos sons se desprendem e se libertam na atmosfera densa. Consigo distinguir os sapos, que coaxam suas...
Olhos que me enxergam através do tempo, lamúrias de almas perdidas na cidade dos rejeitados, a floresta grita sob o vento de tempestade…
Profundo silêncio entre os vestígios de vida sob o manto da madrugada. Se somente vozes fossem ouvidas, o que elas diriam? Com quem se confessariam?…
Que tipo de presa seria, oh nobre e cruel rainha, se me entregasse por completo aos teus lascivos caprichos? Que tipo de serva seria se buscasse tua boca…
Novamente sinto o sabor pecaminoso em seus lábios vitrais. Como um beijo seco recebo em meu âmago a doçura ébria que somente teu…
Me enclausuro na grande convicção de tais pensamentos. Quão denso meu ser está inerte ao viver?…
Já houve dias de calmaria, dias de tempestade. Já houve uma época que eu nem navegava. Por que raios fui me enfiar neste mar?…