OTO
Dizem que a única coisa perfeita no mundo é Deus, mas eu tenho que discordar. Sempre fui do tipo que acredita na capacidade do homem de se adaptar, e, usando os métodos certos, qualquer um pode atingir a perfeição. Por essa razão, estou estudando estética. Na noite passada, conheci uma garota na aula; havia recém se transferido para nossa cidade, então resolvi dar as boas-vindas e ser educado. Havia algo nela que realmente me atraía, não sei dizer se eram seus olhos, com heterocromia, que proporcionavam uma assimetria hipnotizante, ou seu sorriso torto, que transmitia uma simplicidade contagiante.
A conversa fluiu tão bem, como um riacho tranquilo desaguando nas violentas águas marítimas. Fazia tempo que eu não encontrava alguém como ela, era perfeita para mim. A cada dia que passava, dedicávamos mais tempo um ao outro; passamos a fazer trabalhos juntos e até saíamos para beber. Tudo estava bem. Tomei a liberdade de preparar algumas surpresas, no anseio quase embriagante de revelar tudo a ela.
Logo, o festival de inverno chegou, a melhor época do ano. Amo como o doce frio da neve torna tudo estático e belo. Tomei coragem e a convidei para o baile. O suspense de aguardar sua resposta me dava náuseas, tudo girava... Como pode? Uma única mulher me fazer sentir assim. Ela é realmente perfeita para mim. Dois dias depois, a resposta foi dada. Meu coração quase saía pela boca. Estava tudo pronto.
A grande noite chegou. Saímos, dançamos e bebemos. Porém, ela parecia um pouco estranha, desconexa. Perguntei se estava bem, e ela dizia que sim. Eu planejava convidá-la a ser minha para sempre, mas fui surpreendido pela iniciativa da jovem que, outrora, fora tímida: “Vamos para a sua casa”. Ainda sinto os arrepios de seu sutil e sedutor sussurro em meu ouvido.
Entramos no meu carro e seguimos para o nosso glorioso destino. Chegamos à minha casa, e já estava tudo arrumado, cada móvel organizado de forma perfeitamente simétrica, como tudo deveria ser. Minha amada, tomada por luxúria, me conduziu ao meu próprio quarto; guiada pelos seus instintos, como se já conhecesse a casa. Ela deitou-se sobre a cama, me convidando para nos perdermos em nossos corpos. Minha boca salivava de tamanho prazer, o grande momento havia chegado. Peguei um par de algemas e a prendi na cama, ela parecia excitada; seu rosto ruborizado e seu corpo exposto, era ainda mais do que eu imaginei. Coloquei uma fita em sua boca.
Minha querida se debatia, confusa, o que era compreensível; as outras também ficaram assim. Peguei meus instrumentos, o processo precisava começar imediatamente, mas com minha doçura se movendo tanto, seria impossível. Tratei de dopá-la de uma vez. Ela dormiria agora, mas acordaria perfeita. A primeira coisa era arrumar essa boca desalinhada, nada que um enxerto de pele não resolvesse. O próximo passo foi pegar a cuba de olhos na geladeira; por sorte, a anterior tinha da mesma cor. Retirei o errático e o substituí.
Passei o resto da noite corrigindo outras assimetrias em seu corpo. Agora, está perfeito.
Texto publicado na Edição 10 - Aborom, do Castelo Drácula. Datado de outubro de 2024. → Ler edição completa
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