Silhueta

 

Foto de Marek Studzinski

 

Com sua face rasgada na diagonal, forçando-lhe um meio sorriso dantesco, Isaac congelava na insondável nevasca. Seu corpo estava curvo, tendo metade sobre a neve e metade acima da beira da fontana, a qual carregava em seu antro uma alada criatura feminina de asa quebrada e semblante de misericórdia. Este era o símbolo da Vila Arcângela. Não havia sangue na carne exposta de Isaac e seus olhos tornaram-se como vidro, congelaram abertos e estarrecidos. Em determinados momentos, um homem precisa tomar decisões obscuras, as quais poderão facilmente destruí-lo. Isaac, que jazia aos pés da santíssima Arcângela em razão da sua sede juvenil pelo êxtase do corpo, não era este homem, mas, Esdras, era.

Ouviu os gritos de desespero do rapaz quando preparava um graúdo copo de uísque, bebida que roubara de uma bodega ao norte da Vila. Mesmo debaixo de um assombro verossímil — uma vez que aquele grito não lhe parecia apenas uma balbúrdia comum de, talvez, uma morte programada ou, ainda, um indigente sob delírio e insanidade; era, ele sabia, um urro de profundo horror, tanto que agitara no peito de Esdras o seu coração negro pelo fumo. Portanto, mesmo assustado, entreabriu a cortina da janela da sala-de-estar e fitou a praça, a nevasca impiedosa e, consequentemente, aquele que nela jazia mortificado. Porém, que a morte de um indivíduo, daquela forma, já não lhe fosse assustador o suficiente, Esdras avistou uma perturbadora silhueta.

A criatura possuía curvas atraentes, de rosto bizarro e dentes pontiagudos; sua penumbra parecia atrair e expandir à medida em que ela sugava o órgão genital do jovem Isaac — ele que outrora esbravejava, naquele momento experimentava um prazer mórbido e silenciava diante de tal. No entanto, seu silêncio não advinha de nada além da sua garganta rasgada pelos dentes femininos da silhueta negra, a qual, então, passou a masturbá-lo enquanto rasgava sua face na diagonal, dando-lhe o meio sorriso terrificado. Esdras, alarmado, observava a cena com suas pupilas saltadas e dilatadas para que a pouca luz o permitisse ir além do que seus olhos humanos viam. A cena, em sua sinistra formação, o alçava a um nível de medo que jamais alcançara, mesmo quando era marinheiro. No entanto, algo além do medo lhe consumia.

Esdras segurava em suas mãos ásperas o seu rígido membro hirto, pulsante pela cena macabra — e isso só acontecia porque Esdras tinha atração profunda pelo sexo patogênico, tanto que se dava o regozijo do clímax enquanto a silhueta feminina extraía sémen do jovem conforme sugava seu último gole de sangue. Esdras teve uma exemplar vista de toda a tétrica cena e viu, por último, a mulher beijar os lábios do cadáver e a viu, logo após, esvair para a estátua de Arcângela, então, apenas nesse momento, Esdras percebeu que a estátua não estivera ali durante todo o ato sanguinolento, mas que ela retornara para lá em seu término, quando a silhueta penumbral, em forma de mulher e dentes de besta, esvaíra.

De fato, em determinados momentos, um homem precisa tomar decisões obscuras, as quais poderão facilmente destruí-lo, Esdras sabia disso, embora fosse perverso o bastante para ejacular lembrando-se da silhueta feminina em sua voracidade e crueldade avistada e, depois, de rezar, fazendo o símbolo da cruz com suas mãos imundas de gozo, pela alma de Issac; Esdras sabia o que precisava fazer — ele já lidara com esse tipo de, como chamava, “magia demoníaca” — , logo após a blasfêmia, portanto, pegou sua marreta de ferro fundido e caminhou em direção à estátua de Arcângela — e ela o esperava, não mais com face de misericórdia, mas sorrindo.

Texto publicado na 1ª edição de Frenesia. Datada de junho de 2024. → Ler edição completa
 
 

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