O gotejar da tinta Nanquin

Arte de Plante Meus Ossos

Conheci o trabalho da artista através do Instagram e logo identifiquei a inspiração difundida em seus traços. A narrativa gotejada do contato da pena na tinta nanquim ao encontro da folha em branco expressa imagens capturadas por um olhar criativo e singelo, hábil e sensível, criativo ao embelezar a dor e particularizar a obscuridade vigente em todo ser humano. 

A artista é uma jovem de 24 anos, do interior de São Paulo, mais precisamente na localidade de Santa Gertrudes, onde nasceu e residiu até os 19 anos. 

Arte de Plante Meus Ossos

Ímpar: 

“Por ser uma cidade do interior, tive muito acesso a plantas, insetos e construções bem antigas. Pensando nisso, acredito que muitos dos meus gostos se desenvolveram lá.” 

Em 2020, realocou-se para Curitiba, no Paraná, com o intuito de buscar aperfeiçoamento através do bacharelado em Artes Visuais na UNESPAR. A arte esteve presente em sua vida desde a infância, e a destreza, devido à habilidade de criação, a levou a experimentar as demais manifestações artísticas, como ballet, teatro, fotografia, moda, circo, entre outros. 

Ímpar: 

“Por ser uma criança neurodivergente, sempre tive muita energia para gastar, e meus pais atuaram corretamente em me colocar em várias atividades. De certa forma, tive um incentivo desde pequena a mergulhar nesse mundo artístico. Sou diagnosticada com TDAH, e isso influencia muito no meu processo criativo. Por exemplo, tenho que escutar uma playlist específica para meu cérebro entender que esse é o momento de ilustrar, e sim, é a mesma playlist todas as vezes.” 

A Plante meus Ossos nasceu durante a pandemia, em um momento descontraído de desenvolvimento criativo, na ocasião em que ilustrava “O coelho branco”, personagem do livro infantil “Alice no País das Maravilhas”, e identificou potencial de venda em sua composição única, propondo aos amigos a compra da arte estampada em uma peça de roupa. 

Ímpar: 

“No fim, deu certo e tomou proporções que eu não imaginava; pessoas desconhecidas queriam tê-la também. A partir disso, resolvi investir e continuar fazendo produtos ilustrados, aprendendo pouco a pouco como criar um site, como falar com fornecedores e tudo mais.” 

Por ser neurodivergente, adaptou sua rotina de modo que a administração de sua marca “Plante meus Ossos” estivesse em sintonia com sua intenção de reproduzir uma experiência sombria, particular, íntima e única. 

Ímpar: 

“Desde a criação de um produto até o momento de embalar e enviar para os novos lares assombrados, mas não me arrependo de forma alguma; meu público me salva todos os dias.” 

O estilo de sua arte é influenciado pela cinematografia, principalmente por obras do cineasta, produtor, roteirista, escritor, animador e desenhista norte-americano Tim Burton. Outras grandes influências surgiram do encantamento pela estética lúdica do Studio Ghibli. No decorrer do dia a dia, como estudante de artes, a estética gótica, a gravura do fantástico e a era de ouro da ilustração se tornaram suas principais influências. 

Arte de Plante Meus Ossos

Ímpar: 

“Minha mãe sempre leu diversas histórias para mim quando eu era criança, e, dentro desses momentos, havia muitos livros ilustrados que me encantavam, pois eu podia compreender a história sem precisar saber ler. Acabei me interessando muito por literatura e encontrei nela livros góticos escritos por mulheres, como O Morro dos Ventos Uivantes, Frankenstein, Entrevista com o Vampiro e tudo mais. Acredito que, absorvendo esses conteúdos com teor obscuro, me fez ter o prazer de explorar cada vez mais esse universo desconhecido. 

Escolher um artista como favorito é algo muito difícil para mim; tenho muitos que levo no meu coração. Mas os que me marcam atualmente seriam Harry Clark, Edward Gorey, Aubrey Beardsley e Ida Rentoul Outhwaite, que são ilustradores do gótico e fantástico, utilizando técnicas de nanquim absurdas quando falamos de detalhamento e imaginação. Outros artistas que fogem do nanquim, mas que me influenciaram muito, são: Leonora Carrington, Remedios Varo, Genieve Figgis e Goya. 

O que eu mais gosto na arte acredito que seja a total liberdade de poder criar um universo desconhecido a partir do seu próprio imaginário. A arte se torna um lugar de terapia, de completo transe, como se sua mente viajasse para outro lugar onde ninguém pode te achar; é como um jardim secreto com flores e plantas que só você sabe que existem.E o melhor de tudo isso é compartilhar desse novo mundo com as pessoas e poder enxergar que existe identificação e que esses sentimentos e criações vomitados no papel também importam para quem os vê e os sente, além de mim como criadora.  

Definir a arte é algo impossível, na minha opinião, hahaha, pois cada um que a vê e a explora tem uma nova interpretação, um novo olhar. Particularmente, deixar a arte como indefinível é muito mais interessante do que preparar quem vai ter essa experiência sobre o que ela é e o que eu quis dizer quando a criei. Minhas ilustrações buscam transmitir a melancolia e o horror, dialogando com temáticas como o gótico, a botânica e a fantasia. Além disso, como pesquisa pessoal, gosto de trazer uma reimaginação da morte, uma releitura. Como se todos os seres que são engolidos pela terra se tornassem alimento para novas vidas nascerem, e isso se torna um ciclo infinito de dormir e acordar, só que em novos lugares do mundo. 

Arquivo pessoal da Artista

Ímpar: 

“Falar sobre as pessoas importantes para mim é algo bem sensível; sou muito emotiva quando se trata desse assunto. Mas, bom, no primeiro ano da faculdade, me inscrevi em uma optativa de literatura e ilustração gótica com o professor Fabrício Vaz Nunes, e ele foi uma chave extremamente importante para meu início na ilustração, tanto que ele é meu orientador do TCC atualmente. Bryan Paula e Maquina são dois artistas muito importantes para mim nesse processo de construção da Plante; eles estiveram desde o início e me acolheram em todos os momentos de medo, choro e situações em que eu não acreditava que era o suficiente ou que alguém gostaria do meu trabalho, pois, querendo ou não, a ilustração não era algo de grande destaque dentro das “Belas Artes”, e isso me assombrou por um tempo. Tive o suporte gigantesco dos meus pais e irmão nos momentos tristes e felizes. São pessoas que sempre acreditaram em mim e nunca soltaram a minha mão para realizar o sonho de ser ilustradora de livros e do horror, mesmo eles não conhecendo nada da área.  

Poderia ficar agradecendo por eras aqui todas as pessoas que me ajudaram e estiveram comigo, mas finalizo com o meu público, que foi crescendo aos poucos, e todos eles se mantiveram comigo e não deixaram meu trabalho de lado. Eles me apoiam até os dias atuais, e eu levaria milhares de anos para poder agradecer todo o carinho e amor que eles me dão desde sempre. 

Se eu pudesse conversar com quem gostaria de trabalhar com ilustração, eu diria para desenhar todos os dias, por mais pequeno e bobo que pareça, porque, no final das contas, arte é prática. Não existe essa ideia de “nascer com um dom” na minha ótica. 

As pessoas podem ter tendências para serem boas em uma coisa ou outra, mas você só cresce na área em que deseja trabalhar com insistência, disciplina e prática. Consuma muita arte: veja filmes de temáticas que gosta, leia livros, vá a museus; tudo ao seu redor se tornará inspiração para suas próprias obras. O mundo real tem muitas fontes para o imaginário voar, aproveite cada detalhe. E, claro, não desista. Por mais que, no começo, você não goste do que criar, você vai gostar em algum momento; é apenas parte do processo. Não vamos desenhar ou pintar algo maravilhoso de início. Precisamos praticar para chegarmos ao resultado que imaginamos. E se especialize: faça cursos, estude sobre o assunto, realmente mergulhe e seja obcecado. Para trabalhar com arte, você tem que amar; tem que fazer parte do sangue que pulsa dentro de ti. 

Não gosto muito de pensar no futuro, por mais que seja algo impossível. Almejo poder viver apenas do meu trabalho, ilustrar muitos livros sejam com minhas próprias histórias ou de outros autores. Se eu puder viver trabalhando com o que eu amo, é o suficiente para mim, ser artista e viver de artes no Brasil é algo que poucas pessoas conquistam, então é o meu sonho. Me vejo à luz de velas, com música clássica assombrada tocando ao fundo, ilustrando novos universos para vocês queridos leitores mergulharem.’’ 

Texto publicado na 9ª edição de publicações do Castelo Drácula. Datado de setembro de 2024. → Ler edição completa

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