Cântico da Fé Profanada

Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula

I – Do Altar que Apodrece

“Pois bem antes do verbo, houve o grito.
E bem antes do céu, houve a carne.
E bem antes do amor, houve o medo.
E o medo moldou os deuses.”

Nos templos soturnos feitos de pedra rachada,
Onde o musgo se cria e o tempo se desfaz,
Há ossadas de deuses, de eras passadas,
Que dormem famintos em uma mentirosa paz.

Erguemos seus nomes com nossas mãos calejadas,
E os fizemos juízes de tudo que ignoramos.
Mas no final de tudo, nas cinzas sagradas,
vemos que deuses... nós sempre fomos.

Tatuamos em nosso âmago a utopia celeste,
Mas oramos de joelhos a um vácuo mordaz.
A alma, em silêncio, de pranto se veste,
E suplica um perdão que não vem jamais.

II – Da Boca dos Deuses Mortos

“Falai, ó esquecidos!
Que vossos nomes se quebrem como vidro
E vossas vozes nos devorem por dentro.”

BAAL (Deus da fertilidade, clima e tempestades)
Eu sou a fome, não a salvação.
Dei ao homem seu primeiro altar,
Feito de carne, suor e traição,
E bebi de sua fé sem cessar.

TIAMAT (Deusa primordial dos mares e mãe dos deuses)
Fui mãe e mar, serpente e véu.
Mas meu ventre foi violado por reis.
Agora durmo no limo do céu,
Gerando imagens que tu nunca vês.

LILITH (Primeira das mulheres, aquela que não se submeteu)
Fizeram-me bruxa, meretriz e serpente,
Mas fui só mulher que negou o jugo.
Na carne de cada fêmea descrente,
Eu sussurro meu nome antigo e vulgo.

ODD-KING Eu não tenho forma, nem dogma, nem fé.
Sou o que resta quando tudo finda.
A fé que me segue... se perde em pé.
O homem que ora... já não se vinda.

III – Da Revelação do Espelho Quebrado

“O altar mais antigo é o corpo.
O templo mais profano é a consciência.
O deus mais cruel é a imagem no espelho.”

O que vês quando fechas os olhos?
Um deus de luz? Um céu distante?
Ou tua própria face em pedaços, gritando num mundo delirante?

Pois tua fé não está no alto,
Mas nas vísceras, no medo de ser.
E o que chamas de belo e divino
É somente teu reflexo a apodrecer.

Tu crias Javés quando sangras no escuro.
Tu clamas por Odin quando a espada falha.
Tu invocas Satã quando queres o impuro,
Mas o nome que gritas... é a tua mortalha.

IV – Do Credo dos Queimados

“Não cremos em salvação.
Não buscamos perdão.
Nossa fé é ferida.
Nosso deus... somos nós, podres, porém em pé.”

Cremos no vazio e na sua beleza.
Cremos no grito que rompe o silêncio.
Cremos que a fé é doença e clareza.
E o homem, um deus em sua existência.

Bebemos do cálice feito de ossos,
Comemos o pão da desesperança,
E cantamos hinos com versos atrozes,
Que rezam à morte, nossa única dança.

Não há céu.
Não há trono.
Só ruína.
Só barro.
E no barro... um sussurro:
Tu és teu próprio inferno.


Escrito por:
Cláudio Borba

Residente de Dom Pedrito/RS, Cláudio Borba formou-se em Contabilidade e escreve contos de terror e poemas geralmente melancólicos. Ele faz parte de diversas antologias de contos e poéticas de diversas editoras. E atualmente trabalha para lançar seus livros de contos e poemas. Cláudio se inspira em Stephen King e Clive Barker em seus contos, e é um grande fã de Bukowski. A escrita do autor é direta, rápida e de fácil leitura... » leia mais
17ª Edição: Dívanno - Revista Castelo Drácula
Esta obra foi publicada e registrada na 17ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de junho de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.

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