A Boneca da Vitrine

Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula

O sino badalando na porta indicava a chegada de novos clientes, uma mãe e sua filha. A mãe olhava nostálgica ao seu redor, várias estantes recheadas de bonecas clássicas, de todos os tipos, pano, porcelana e afins, além de uma caixinha, que tocava uma doce música de ninar. A criança, por outro lado, só tinha olhos para uma boneca em específico, a que estava na vitrine. Seu olhar era penetrante e parecia carregar alguma emoção indecifrável. Notando a empolgação da filha com o brinquedo em questão, dirigiu-se ao balcão, onde jazia uma senhora, que já aparentava ter seus 100 anos.

— Quanto custa a da vitrine?

— Não está à venda. — respondia com um tom ranzinza, sem dar brecha a negociações. A mulher assentiu com a cabeça e volta-se à criança, puxando-a pelo braço na tentativa de apresentar outras opções, mas a menina demonstrava-se determinada. Batendo o pé, alegando que apenas a boneca da vitrine lhe serviria, a mãe se via sem muitas opções, mas ao encarar a pequena senhora atrás do balcão, seu olhar era rígido e irredutível.

— O que há de tão especial nessa boneca? Vamos, há várias outras que eu adorava quando tinha a sua idade.

— Não! Eu preciso dessa!

A mulher, já irritada com a desobediência da criança, aperta seu pulso com firmeza, mandando que parasse de se comportar daquela forma. Em resposta, a garota morde sua mãe, fazendo com que a solte, e se lança contra a vitrine. Vidro se espalha por todo o chão, junto à boneca, que se choca contra a madeira.

— O que você fez, pirralha?! — a velha grita, incrédula e carregada de desespero.

A mãe puxa sua filha para longe, reclamando com ela, ao mesmo tempo em que tentava se desculpar com a senhora.

— Minha querida, você está bem? Ela te machucou? Ela não podia fazer isso, não é? Eu pedi para que não lhe perturbasse, mas aquela mulher não sabe controlar a criança. — dizia a dona da loja, direcionando-se para a boneca caída, preocupada, enquanto a ninava em seu colo.

Não demora muito para um estranho cheiro pútrido infestar o ambiente. A senhora se levanta com a boneca nos braços, repetindo consigo mesma que iria cuidar dela. A mãe, incomodada com o odor, tapava seu nariz, exigindo uma explicação para a atitude da filha.

— Ela pediu ajuda. — sussurrou a menina.

— Ela quem? — questionou a mãe.

A garota aponta para a boneca no colo da senhora, a mulher desviou seu olhar lentamente, averiguando a cena questionável, a velha cantarolando enquanto balança aquele brinquedo do tamanho de uma criança de 6 anos. Ela mais uma vez olhou nos olhos daquele ser inanimado, aquele olhar profundo, parecia estar sofrendo.

— Deixe de imaginar coisas, filha, agora peça desculpas! — as palavras que saíam de sua boca eram incapazes de esconder seu claro desconforto com aquele lugar. Porém, mesmo que seus sentidos lhe digam que algo está errado, seu senso lógico não lhe permitia ceder a esses temores ilógicos.

A criança, um pouco nervosa, a pedido da mãe, se aproxima da dona da loja pedindo desculpas.

— Agora quer se desculpar, criança? Mas agora você já machucou ela.

— Se quebramos a boneca, sinto muito, como podemos recompensar? Quanto quer pelos reparos? — indagava-se a mãe.

— Não tem como consertar, mas eu posso substituí-la. — o olhar da velha se fixa na garota, mas seu campo de visão foi cortado. A mulher puxa sua filha, se pondo entre elas.

— O que quer dizer? — sua voz já estava um pouco mais trêmula agora, ainda mais que o cheiro ficou mais forte ao se aproximar da boneca.

— Vocês a quebraram, não dá mais, o mínimo que pode fazer é me dar uma substituta. — a velha mexe no cabelo da boneca, revelando um buraco em sua nuca, um líquido preto escorrendo e alguns vermes comendo o que parecia ser um cérebro exposto.

— Vamos embora, filha. — a mãe puxa sua criança, correndo imediatamente para a porta. Trancada, ela começa a bater, gritando por socorro.

— Mamãe, eu não quero mais ir embora, eu quero fazer companhia para as outras. — diz a menina, sua voz parecia distante, suas pupilas estavam completamente dilatadas.

— Filha! A gente tem que sair daqui logo! Socorro!

— Calma, mamãe, ela vai cuidar bem da gente.

A mulher desesperada, agarrada em sua filha, se chocava contra a porta, que não demonstrava nem sinais de se abrir. Ela virou-se para a velha, que caminhava lentamente, cantarolando a maldita canção da caixa de música. “É isso”, pensou, pegando a caixinha da estante ao lado e jogando-a contra a dona do estabelecimento, que cai com sua cabeça sangrando, assim como a do cadáver que carregava. Ofegante, a mãe apanha a filha em seus braços e corre para os fundos da loja, buscando uma outra saída. A mulher passa rapidamente por um corredor estreito, cheio de tecidos, e no fim, uma porta, que, sem perder tempo, ela abre.

A mãe cai de joelhos, vomitando, o cenário visceral era demais para ela. Vários cadáveres de garotinhas, vestidas com roupas de boneca, podres, todo o ambiente fedia. A menina, por outro lado, parecia maravilhada com o que via, queria todas. Porém, sua exposição àquilo foi abruptamente interrompida, uma mão vinda do corredor agarrou seus cabelos e a puxou de volta. Quando a mãe percebeu, tentou segurar a filha, mas a porta se fechou.

— FILHA! POR FAVOR, NÃO MACHUCA MINHA FILHA! Minha pequena... por quê? — estava aos berros tentando derrubar a porta, enquanto, aos poucos, sua força se esvaía, encolhendo-se, trêmula, agarrando-se aos pequenos corpos que jaziam ali, sussurrando sem parar, “filha”.

O sino, badalando na porta, indicava a chegada de novos clientes, duas garotinhas, uma parecia ter 10 anos, enquanto a outra, 6. Elas estavam encantadas com a variedade de bonecas e com a doce canção de ninar que tocava de uma caixa de música. Mas uma boneca em particular roubou a atenção de ambas. A boneca da vitrine.

Revisão de Sahra Melihssa

Escrito por:
Pedro Benicio

Nos anos 2000, em plena capital baiana, nascia um sonhador. Pedro cresceu viajando de estado em estado, nunca se firmando em um único lugar, nunca vivendo uma única vida. Sua cabeça, consequentemente, nunca se prendeu a uma única história, mas ele não queria viver sozinho com esse mar de ideias mágicas. Pedro colocou como meta em sua vida, mostrar ao máximo de pessoas, as mirabolantes aventuras que surgem em sua mente, podendo, talvez, um dia deixar um pouco da sua marca na vida de alguém. » leia mais
18ª Edição: Theattro - Revista Castelo Drácula
Esta obra foi publicada e registrada na 18ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de agosto de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa

Leituras recomendadas para você:
Anterior
Anterior

O Ônibus

Próximo
Próximo

Mágoa